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Fora da televisão, Pedro Paulo Rangel comemora 50 anos de carreira

Em 'O Ator e o Lobo', Pepê, reúne textos de escritor António Lobo Antunes, desafeto de José Saramago

Por Leandro Nunes
Atualização:

O segundo espetáculo que Pedro Paulo Rangel, o Pepê, estreava no Teatro Oficina, em 1968, tem muito dizer sobre estes tempos em que se voltou a discutir se a Terra é plana. Era 13 de dezembro, quando a peça Galileu Galilei, de Brecht, ia palco pela primeira vez, mesmo dia em que a ditadura aniquilava as liberdades com o AI-5. Para o ator, o teatro daquela época continua existindo com sua vocação contestatória. “Eu tinha meus 20 anos, não sabia de nada, e lá estávamos nós reiniciando a verdade de um cientista. A ideia de que a Terra nunca foi o centro do universo.”

Fora da órbita da TV aberta desde 2017, onde tornou seu trabalho conhecido, o ator de 70 anos festeja seus 50 de carreira, nesta quarta, 13, com O Ator e o Lobo, que estreia no Sesc Pinheiros. O texto é a reunião de crônicas do escritor e psiquiatra português António Lobo Antunes. 

Memória. No solo, atorreúne crônicasde AntónioLobo Antunes Foto: LUCIO LUNA

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Considerado um dos principais escritores vivos no país, Antunes iniciou sua carreira como médico. No início dos anos 1970, participou da guerra colonial em Angola, onde serviu como tenente e médico do Exército português. Sobre esse período existem cartas que Antunes escreveu para a esposa relatando a saudade da família e os tempos sombrios de combate. As conversas do casal inspiraram o filme Cartas de Guerra (2017), de Ivo Ferreira. Ao retornar do conflito, o escritor especializou-se em psiquiatria, conhecimento que transformaria sua escrita, ao aguçar o olhar do homem para temas como relações sociais, crises conjugais, as contradições dos movimentos revolucionários e os traumas deixados pela guerra. 

Desafeto de José Saramago, Antunes é vencedor dos principais prêmios literários de seu país e da Europa e já foi indicado para Nobel, sem nunca ter vencido. Publicamente, já disse que o rival não o interessava como escritor e que preferia ser comparado a Antero de Quental, poeta do século 18, e Alexandre Herculano. No Brasil, a editora Objetiva já publicou, entre outros títulos, Boa Tarde às Coisas Aqui em Baixo, O Meu Nome É Legião e O Arquipélago da Insônia

Diante de um arsenal de textos como esse, o desafio de escolher entre tantas crônicas não tirou de Rangel o prazer de mergulhar na escrita de Antunes. “Eu li mais de 400”, conta. Ao lado do diretor Fernando Philbert, o ator fez a colagem de relatos sensíveis e íntimos do escritor português com textos próprios. “É isso mesmo! Eu também escrevo crônicas”, afirma com entusiasmo e certo acanhamento, ao dizer que nunca quis publicar seus textos como uma obra. 

Com o novo trabalho no gatilho, Rangel afirma ter decidido descontinuar a carreira na TV. Sua última participação foi em 2017, no sitcom Prata da Casa, exibido pela Fox Brasil. No Multishow, o ator foi Onofre, pai da personagem de Camila Morgado em Por Isso Eu Sou Vingativa (2014). E brilhou pela última vez na Globo na comédia O Dentista Mascarado (2013). Para ele, o ritmo de gravações é o principal motivo. “Não sou mais um menino. A rotina é sempre muito exaustiva. Por muito tempo cheguei a emendar e mesmo fazer projetos ao mesmo tempo. Hoje não dá mais.”

Mas a correria do ofício também é capaz de despertar a nostalgia do ator. No palco, artistas de sua geração são quase unânimes em não enxergar futuro viável para uma profissão de “meio período”, como é vigente no circuito teatral paulistano. “A gente cansa de lembrar, mas quando comecei havia nove sessões por semana, duplas nos fins de semana.” 

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Com temporadas cada vez menores – entre quatro e seis semanas, de sexta e sábado – Rangel acredita que todo esforço e treinamento dos artistas, além do investimento por parte dos produtores, não concedem o retorno artístico nem financeiro esperados. “Precisamos resgatar nosso trabalho e não oferecer menos para a plateia.” Para ele, o assunto é político. “Não é possível que o governo ataque instituições culturais que mantêm viva a produção artística do País.”

O ATOR E O LOBO. Sesc Pinheiros. ua Paes Leme, 195. Tel.: 3095-9400. 5ª,6ª, sáb., 20h30. R$ 25. Estreia 13/3. Até 6/4. 

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