O cineasta Fernando Meirelles fez sua estreia na última quarta-feira como diretor de óperas com a chegada ao palco do Theatro da Paz, em Belém, de uma nova produção de Os Pescadores de Pérolas, de Bizet. No universo lírico, cabe à música guiar o discurso dramático; no cinema, ainda que a música possa fazer parte da equação, recai sobre a imagem e o texto (ou o silêncio) o ato de narrar. E foi o encontro entre essas duas linguagens, com suas lógicas específicas, que se viu sobre o palco – e que poderá ser revisto, no dia 15 de setembro, com a transmissão do espetáculo nos cinemas.
Os Pescadores narra a história de dois amigos, Nadir e Zurga, e o confronto que nasce do amor que ambos sentem pela mesma mulher, Leila. E, nesta narrativa, o encontro entre ópera e cinema assume duas formas diferentes. A primeira delas, em especial no ato inicial, reside na aposta do diretor em uma rápida troca de cenas, por meio de coreografias e de uma dinâmica movimentação de atores, ainda que nem sempre resulte em um todo integrado o diálogo entre as projeções no fundo do palco, recriando o Sri Lanka, e os cenários, talvez por conta de uma iluminação pouco sutil.
O segundo ponto de contato entre cinema e ópera se dá com a projeção de cenas filmadas previamente pelo diretor. Em algumas passagens, os cantores se mantém em cena, em diálogo com os filmes, que assumem tanto o papel de cenário (um céu estrelado, na ária Je croix entendre encore) ou reproduzem o que é descrito pelos personagens, como a cena descrita no dueto entre Zurga e Nadir, no qual os dois amigos relembram o dia em que pela primeira vez vislumbraram a imagem de uma misteriosa mulher. Já no dueto de amor do segundo ato, a cena no palco é, a certo momento, coberta inteiramente por uma tela. Não é mais possível ver os cantores: ouvem-se apenas suas vozes, enquanto o filme mostra a cena de sexo entre eles.
Este fluxo de linguagens estabelece um jogo de protagonismo entre cinema e ópera, música, canto e imagem. E é desse embate que sai o que o espetáculo tem de melhor a oferecer – em especial porque o resultado é uma narrativa bastante fluente. E nisso influenciou também o excelente desempenho dos cantores protagonistas, em que pese a atuação nem sempre coesa da Sinfônica do Theatro da Paz, sob regência do maestro Miguel Campos Neto, titular do grupo.
O cuidado com os pianíssimos, a recusa de recursos fáceis, a transparência – são características que fizeram da ária de Nadir, na voz do tenor Fernando Portari, um momento mágico, onírico, no qual o sonho de amor, o desejo, se impõe sobre a realidade. Já em Zurga, parece não haver modo de escapar do real, de um cotidiano cuja ordem cabe a ele manter. Aceitar o sentimento, o seu e os dos outros: é este o conflito que o dilacera em sua ária ou no dueto com Leila, dos quais o barítono Leonardo Neiva soube extrair enorme riqueza de coloridos, ampliando a dimensão e a compreensão do personagem.
Resta a Leila da soprano Camila Titinger, de 25 anos. É um papel difícil, que flutua entre a qualidade quase etérea de uma sacerdotisa e o desejo de uma jovem que encontra pela primeira vez o amor. E a soprano soube encontrar um equilíbrio interessante, pautado na exploração de diferentes regiões da voz, resultando em uma interpretação bastante pessoal.