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Estreias de ‘Na Pele’ e ‘Tick, Tick... Boom!’ reforçam o circuito musical alternativo

As duas produções estreiam em São Paulo e tratam de temas semelhantes, como momentos decisivos na vida de jovens

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Por Ubiratan Brasil
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As grandes produções musicais já se consolidaram no panorama teatral de São Paulo, criando um público cativo que, aos poucos, expandiu o gosto e agora abre espaço também para espetáculos independentes, aqueles que, em Nova York, são conhecidos como off Broadway. São peças de orçamento reduzido, mas de qualidade artística top. É o caso de duas estreias que acontecem na cidade nesta semana: Tick, Tick... Boom!, na terça-feira, 30, no Teatro Faap, e Na Pele, na quarta, 31, no Teatro Augusta

E os dois trabalhos curiosamente tratam de temas semelhantes, como momentos decisivos na vida de jovens. No caso de Tick, Tick, é a chegada dos 30 anos, idade em que a vida normalmente já toma um rumo. É o caso de Jon (Bruno Narchi), escritor e compositor que cria um musical (Superbia) que pode ser finalmente seu passaporte para a glória. Enquanto vive essa ansiedade, ele tem de lidar com o desejo da namorada Susan (Giulia Nadruz) de deixar a cidade grande e também da insistência de Michael (Thiago Machado), seu melhor amigo, que está disposto a convencê-lo a trocar tudo pela lucrativa carreira de publicitário.

'Tick, Tick...Boom' discute a crise dos 30 anos Foto: Gabriela Biló/Estadão

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O título do musical faz tanto uma referência ao passar do tempo (tick, tick seria o andar do relógio) como a iminência de uma explosão pessoal (boom!) vivida por Jon por conta das pressões que sofre de todos os lados. “A insegurança é um dos grandes males que afligem a juventude”, atesta Bruno Narchi. “E traz um importante questionamento da vida: por que seguir líderes que não sabem liderar?”, conclui Thiago Machado.

O espetáculo estreou no circuito alternativo de Nova York em 1991 e foi criado por Jonathan Larson (1960-1996), que se notabilizaria por Rent, musical de 1996, cuja estreia aconteceu horas depois da confirmação da morte do próprio Larson. “Tick, Tick é claramente autobiográfico, pois mostra o momento em que Larson criava Rent, que se tornaria um dos clássicos da Broadway”, observa Narchi, que integrou, ao lado de Machado, uma bem sucedida montagem de Rent, em 2016. O espetáculo, além de arrastar uma legião de fãs e de ter sido montado com a boa vontade do elenco – que se dispôs a trabalhar em dias normalmente de folga e por um cachê simbólico –, marcou ainda o nascimento de uma parceria que, além dos dois atores, uniu a produtora Bel Gomes e o também ator e diretor Leopoldo Pacheco.

Juntos, eles criaram a Companhia Paralela, cuja missão é a de produzir espetáculos de alta qualidade que enriqueçam o cenário alternativo. “É apostar na simplicidade que privilegia a interpretação de temas pertinentes, com a crise da idade e verdades suspeitas”, comenta Bel, que assina a direção artística com Pacheco. “As relações entre os três personagens sustentam a história, e por isso decidimos ressaltar a importância da magia teatral, ou seja, os atores continuam no palco mesmo fora de cena, no bastidor, que é revelado para o público”, explica Pacheco. 

Também a banda de quatro músicos (comandada pelo diretor musical Jorge De Godoy) se integra ao cenário e, em cena, os três atores cantam 13 músicas com batida de rock e cuja precisa versão é assinada por Narchi e Machado.

Se Tick, Tick... Boom! trata da insegurança trazida pela idade, Na Pele toca em um assunto igualmente delicado: a descoberta da sexualidade e o conflito que isso pode provocar em confronto com os dogmas religiosos. “O espetáculo conta uma história de caráter emergencial, que não se pode esconder”, comenta o ator Diego Montez que, além de ser um dos protagonistas, foi um dos que mais batalharam pela produção da peça.

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Ele vive Jonas, líder de um grupo de estudantes de um internato católico. Popular, desejado pelas meninas, Jonas sustenta a figura do exemplo a ser seguido. Ele é apaixonado, no entanto, por Pedro (Mateus Ribeiro), rapaz sensível, que busca encontrar um caminho para revelar sua opção para a mãe. É obrigado também a lidar com insegurança de Jonas, que teme perder seu status se sua homossexualidade for descoberta.

'Na pele' discute temas como rejeição, bullying e preconceito Foto: Daniel Teixeira/Estadão

“Assisti, ao lado do produtor Ricardo Marques, a uma versão montada em 2013, em Nova York, mas não gostamos – aliás, nem os produtores pareceram gostar. Mesmo assim, percebemos que havia ali um texto com grande potencial”, conta o diretor do espetáculo, Léo Rommano. Desde então, ele e Marques tentaram de todos os modos conseguir viabilizar a produção nacional, mas não encontraram nenhum patrocinador. O motivo é o teor do espetáculo, que mostra um confronto de ideias entre religião e liberdade de opção sexual, tema ainda considerado tabu pela maioria dos apoiadores.

A solução do problema foi arriscada, mas se revelou bem sucedida: o grupo inscreveu o projeto no Catarse, site de financiamento coletivo em que qualquer pessoa pode contribuir. O objetivo era alcançar pouco mais de R$ 62 mil, uma meta alta, mas, ao final, foram arrecadados mais de R$ 66 mil, o que garante sustentar um elenco de 17 atores e uma banda de seis músicos, além dos custos de manutenção, durante uma temporada de dois meses.

“Foi a melhor resposta que poderíamos esperar, pois comprovou que o assunto continua atual”, comenta Mateus Ribeiro que, ao lado de Diego Montez e outros membros do grupo, todos com imagem consolidada em grandes musicais, se entregaram a uma produção de baixo orçamento, mas de grande qualidade. Afinal, Bare (título original do espetáculo que estreou na Broadway) foi montado em diversas cidades americanas e de outros países, desde que estreou em 2000, em Los Angeles. Com texto de Jon Hartmere e melodia de Damon Intrabartolo, o musical é habilidoso ao apresentar os conflitos daqueles alunos a partir de uma montagem de Romeu e Julieta, de Shakespeare, texto que também trata de um amor proibido. “Ao longo desses cinco anos de espera, fiz pesquisas sobre identidade sexual e social, drogas e religião, que enriqueceram a encenação”, conta Rommano. “E, realizar agora esse projeto, dessa forma, é um ato de resistência, não apenas pela temática, mas pela oportunidade de realizar um projeto que foi tão recusado.”

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Em sua concepção cênica, o diretor decidiu que todos os personagens, mesmo os mais discretos, teriam uma história particular, o que os individualiza. Assim, ganham destaque outros nomes como Vânia Canto, que tira o fôlego do espectador como Nadia, a inconformada irmã de Jonas. Ou Thuany Parente, que vive Eva, garota bonita e que engravida de maneira inesperada, trazendo outro assunto delicado à cena. 

Na Pele abre espaço também para intérpretes mais experientes, como Marya Bravo que, no papel de Clara, mãe de Pedro, é capaz de arrancar lágrimas com seu solo; e Maria Bia, que vive com raro brilho Irmã Elza, a religiosa que dirige a montagem de Romeu e Julieta, tratando os alunos com uma linguagem absolutamente moderna e hilariante, arrancando as principais gargalhadas do espetáculo.

“Jonas vai de herói da escola à pária da sociedade, de uma forma que só é possível na estrutura social esquisita que vivemos no ensino médio. Com o espetáculo, queremos discutir temas como alienação, medo da rejeição, confusão de identidade sexual, bullying, preconceito, suicídio”, comenta Rommano.

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E, assim como Tick, Tick... Boom!, Na Pele é fruto de produtores interessados em alimentar o circuito alternativo de São Paulo. Para isso, foi criada a 4ACT OFF, que promete espetáculos menores em tamanho, mas enormes em conteúdo.

TICK, TICK... BOOM! Teatro Faap  Rua Alagoas, 903. Tel.: 3662-7233. 3ª e 4ª, 21h. R$ 60 / R$ 80. Até 12/12. Estreia 30/10

NA PELE  Teatro Augusta Rua Augusta, 943. Tel. 3231-2042. 4ª e 5ª, 21h. R$ 60.  Até 20/12. Estreia 31/10

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