Em 'Fedra', Club Noir retorna ao mito sobre o desejo proibido da rainha por enteado

Versão de Racine para a tragédia entra em cartaz com Juliana Galdino e o estreante Christian Malheiros

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Por Leandro Nunes
Atualização:

O destino de Roberto Alvim como encenador foi revelado a ele em uma tragédia. Foi na versão de Fedra, em 1986, no Teatro de Arena – com Fernanda Montenegro no papel da rainha incestuosa e Edson Celulari como o desejado Hipólito – que Alvim se encontrou como artista do palco. “Vi naquela vertigem toda a possibilidade de transformação do teatro. Foi definidor para mim.” E, como em um espelho para o passado, o Club Noir estreia no Sesc Pompeia a versão de Racine para a tragédia grega sobre o desejo proibido da mulher, esposa e rainha pelo enteado e príncipe de Atenas. 

Texto investigado ao longo da história, em versões de Eurípedes a Sarah Kane, a mulher de Teseu é possuída pela paixão de Afrodite e, enquanto o herói e marido se ausentava na guerra, ela declara seu amor ao jovem. Para Alvim, o olhar que Racine dirigiu à personagem acabou contaminando a forma do dramaturgo de encarar o gênero trágico e o estado de sua própria criação – Fedra foi a despedida do francês na carreira trágica. “Ele deu protagonismo à mulher nesta versão e ofereceu o texto a uma atriz que admirava na época. Depois, Racine desiste dos palcos e se volta para estudar religião. Quando volta a escrever, são peças religiosas sobre a vida de santos.” 

Encontro. Juliana Galdino e o estreante Christian Malheiros Foto: Edson Kumasaka

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O sucesso e pesadelo de Racine em retratar figuras com pulsões livres de mordaças talvez seja o paraíso buscado pelo encenador e por Juliana Galdino, que interpreta a rainha incestuosa. A atriz que encarnou o velho condenado à própria história de Leite Derramado afirma que Fedra, como os grandes personagens do gênero, carrega sensações acumuladas e cada vez mais preciosas. “É preciso dizer que seus desejos e sonhos estão fora de toda conformação cultural. São figuras humanas em sua totalidade.” 

Ela conta que, diferentemente de Leite Derramado ou do macaco que interpretou em Comunicação a Uma Academia, compreender os motivos do amor da rainha não passa por tentativas de aproximação. “Analogias ou subtextos não servem de apoio nas tragédias. Para o ator, o efeito é como ser lavado. A tragédia escova o ator, retirando os vícios de um teatro contemporâneo cheio de filtros.” Para Alvim, a peça expõe a coragem de uma mulher situada no centro do poder. “Essa insurreição atravessa seu papel de cidadã, no governo, como mãe e esposa. Tudo é atingido.”

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Na encenação que reúne atores dos últimos trabalhos do Club Noir, como Kiev, o jovem ator Christian Malheiros faz sua estreia – também profissionalmente – como o desejado Hipólito. “Era o papel que faltava”, conta Alvim. “Apesar de estar começando, já existe nele uma nobreza em sua postura como artista.”

FEDRA. Sesc Pompeia. Rua Clélia, 93. 5ª, 6ª, sáb., 21h, dom., 18h. R$ 30 / R$ 15. Estreou ontem, 4. Até 27/5.

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