Depois de manter aulas pela internet, escola de balé de Paraisópolis, aos poucos, retoma rotina

Parte dos alunos voltou às práticas presenciais, realizadas agora em um antigo Centro Dia para Idosos, espaçoso e bem ventilado

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O balé de Paraisópolis ensaia no antigoCentro Dia para Idososdo bairro. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Quando criança, Mariana Souza Farias, de 17 anos, passava as tardes assistindo TV. Sua mãe lembra do alvoroço que a garota fazia sempre que aparecia alguém dançando na tela. Não importando qual tipo de dança fosse. “Eu só sabia que queria dançar, não importava o quê”, lembra a jovem. Em 2012, um carro de som circulando pelos becos e vielas do bairro trouxe a boa nova que mudaria sua vida e de tantas outras garotas e garotos. Surgia uma escola de balé, gratuita, mas era necessário fazer os exames de seleção. Mariana foi aprovada logo nos primeiros dias e considera essa vivência um divisor de águas em sua existência. “Hoje, sou uma bailarina”, diz, emocionada. 

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A concepção da escola é da coreógrafa Monica Tarragó que, da janela de sua casa, observava aquela dura realidade e teve a ideia de ajudar a transformar um pouco daquilo que via de longe. “Antes de tudo, buscamos formar bons cidadãos para o mundo”, destaca a professora, sendo o balé uma importante ferramenta para isso. Junto com Gilson Rodrigues, da Associação de Moradores e Comércio de Paraisópolis, a escola ao longo dos seus oito anos, foi crescendo e, antes da pandemia e do isolamento social, atendia presencialmente 200 jovens, 190 meninas e dez meninos. 

Produtor executivo da escola, Jorge Andreatta lembra o dia exato em que as aulas presenciais pararam: 16 de março. Mariana lembra com tristeza desse momento. “Me afetou bastante. Não sentia ninguém por perto. Não tinha abraço. Nem conversa, nem risada. Tive insônia e crises de ansiedade”, relembra. Com o passar dos dias e os anúncios dos órgãos de saúde alertando a população de que essa fase demoraria a passar, a escola iniciou as aulas online para o grupo seleto dos trinta alunos que fazem parte do corpo do Balé de Paraisópolis. Os demais receberam apostilas pedagógicas. Todos os 200 recebem cestas básicas e kits de higiene pessoal mensais, distribuídos com o auxílio da Cruz Vermelha Brasileira.

Bailarina de máscaradurante os ensaios do grupo, em Paraisópolis. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

As aulas online via aplicativo Zoom significaram aprendizado constante para o grupo, tanto para os professores e equipe de produção como para os alunos. Monica lembra que os exercícios físicos precisavam ser estudados para não afetar a musculatura e tendões. O piso das casas não era o apropriado para a prática, mas já era um alento para quem havia passado semanas sem o contato com os amigos e professores. “Tivemos um lado positivo: a presença virtual de importantes professores, como a Isabelle Guerin – foi emocionante”, conta Monica.

Isabelle, ex-integrante do corpo de baile do Ballet de l’Opéra de Paris em 1978 e nomeada Étoile (estrela) em 1985, já havia conhecido o grupo em uma viagem que fizeram para Nova York, onde as meninas de Paraisópolis puderam viajar para fora do país pela primeira vez e conhecer as principais escolas de dança dos Estados Unidos. “Meu sonho é estudar na Alvin Ailey”, diz, com segurança, Giovana Ferreira Guimarães, de 18 anos, outra aluna veterana da escola, há oito anos no grupo.

As sessões via Zoom fluíam, mas a falta do presencial era sentida pelas meninas e, com a liberação dos órgãos de saúde para a reabertura gradual do setor complementar de educação, incluindo o ensino de artes, informática, reforço escolar e dança com até 40% dos alunos matriculados, decidiram voltar. Era preciso encontrar um local adequado, com boa ventilação e espaçoso. A resposta estava no QG do combate ao coronavírus em Paraisópolis, o antigo Centro Dia para o Idoso, um prédio amplo que alterou completamente seus fins de ocupação com o surgimento do vírus e as demandas da população para combatê-lo.

Dançarinos do grupo em uma das ruas de Paraisópolis. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Por lá, são feitas cerca de duas mil marmitas diárias em uma cozinha industrial por mulheres da comunidade, um grupo faz máscaras e outro, de socorristas, também está baseado lá para atender os moradores do bairro e agora o Balé Paraisópolis. Foram realizadas diversas reuniões com os pais das alunas, que decidiram que os estudantes contemplados com as aulas presenciais seriam os mais velhos, na faixa entre 14 e 18 anos. Segundo Jorge Andreatta, os mais velhos têm mais experiência e noção das medidas para evitar o contágio. 

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O prédio, projetado pelos arquitetos Analia Amorim, Ciro Pirondi e Ruben Otero, possui dois andares, no qual o segundo é uma espécie de laje coberta por um telhado em forma circular que proporciona ventilação em suas quatro laterais. O tablado de cerca de 100 metros quadrados foi montado nesse andar elevado, com a ajuda de um banco parceiro da escola. 

O primeiro dia de aula, após 133 dias privados do encontro presencial, aconteceu na segunda-feira, 3 de agosto. O brilho nos olhos da menina Maria Luisa Santana de Brito, de 15 anos, há três no grupo, ajudava a explicar um pouco a importância da escola, das amizades, das risadas e dos passos da dança. Banhada pela luz quente do inverno paulistano e com uma vista panorâmica das incontáveis casas de tijolinho aparente, a menina se exercitava em silêncio distante das colegas. “Quando fiz a reverência, um gesto clássico que termina as aulas de balé, olhei para o bairro e agradeci por tudo que ele representa na minha vida”, finaliza a menina.

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