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Como a pandemia ‘digitalizou’ Chekhov do teatro para o cinema

Grupo BR116 parou os ensaios da peça ‘Gaivota’ em 2020 e a transferiu para a tela, buscando a linguagem teatro-filme

Por Bruno Cavalcanti
Atualização:

Nas cenas finais do quarto e derradeiro ato de A Gaivota, clássico realista do repertório do russo Anton Chekhov, a jovem atriz aspirante ao sucesso Nina, em seu monólogo de despedida, crava: “Eu tenho fé e não sinto tanta dor. E, quando penso na minha vocação, eu não tenho medo da vida”.

'Não podemos andar para trás', afirma a atriz Bete Coelho Foto: CIA BR116

A frase serviu de incentivo quando Bete Coelho e Gabriel Fernandes tiveram de interromper o processo de montagem da obra produzida por sua companhia, a BR116, após o início dos ensaios em janeiro de 2020 e sua transição para o campo digital, quando a pandemia da covid-19 estourou mundo afora. Com o agravamento da crise sanitária, em julho, o processo precisou ser interrompido e a montagem entrou em suspensão por tempo indeterminado. A dupla mergulhou, então, no universo cinematográfico ao adaptar para as telas a leitura da dramaturga Consuelo de Castro para a tragédia Medeia. Disponível online, a experiência rendeu boa repercussão de público e crítica e inspirou os artistas a retomarem os estudos de Gaivota – adaptada por Marcos Renaux sem o artigo comum nas traduções ao longo das décadas. “Repousar e guardar o texto por um período foi importante para elaborar melhor as personagens, o tempo dramatúrgico, o movimento interno das ações e aprofundar a linguagem teatro-filme. Mudanças de ideias e equipe também ocorreram nesse período, sobretudo na adaptação da obra, que uma visão mais cinematográfica”, explica a dupla da companhia. O grupo se reuniu em um sítio em Itu, interior de São Paulo, e, durante 20 dias, adotou isolamento criativo que desaguou no teatro-filme Gaivota, disponível gratuitamente no site e no canal oficial da companhia no YouTube até 21 de novembro.  “A experiência de estarmos imersos e isolados no meio do mato intensificou a intimidade e cumplicidade de toda a equipe, resultando num trabalho mais apaixonado e verdadeiro, como se a nossa realidade cotidiana fosse a peça.” A história permanece a mesma. O jovem aspirante a dramaturgo Trepliov busca a validação artística dos componentes da alta-cultura, entre eles sua mãe, Arkadina. A rejeição toma conta do jovem quando sua peça não é bem-aceita pelo círculo social e sua namorada.Gaivota é, a rigor, a primeira adaptação cinematográfica produzida no Brasil para a obra de Chekhov, além de marcar um novo capítulo na história da companhia.

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