Comédia dramática '4.000 Dias' tem dupla estreia mundial

Texto do inglês Peter Quilter acontece em quarto de hospital com paciente que acorda do coma e não recorda dos últimos 10 anos

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colunista convidado
Por Leandro Nunes
Atualização:

Um sonho estranho foi o ponto de partida do que veio a se tornar 4.000 Days, espetáculo que estreou há duas semanas no Park Theatre em Londres. “Um dia, sonhei que acordava na minha cama e via muitos jornais espalhados à minha frente. Eu não conseguia lembrar dos últimos dez anos e então lia, desesperadamente, todas as notícias a fim de descobrir o que ocorreu”, conta o dramaturgo inglês Peter Quilter, em entrevista exclusiva por telefone ao Estado.

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Nesta sexta-feira, 29, a adaptação 4.000 Dias ou Abra Seus Olhos entra em cartaz no Teatro Alfa, com direção de Annamaria Dias. “Mais tarde, li na internet sobre uma mulher que, após acordar de um coma, não reconhecia mais seu marido e filhos”, continua o dramaturgo. “Ela não lembrava do casamento, que ocorrera nesses 10 anos, nem das crianças”. A notícia impulsionou Quilter, que usou o fato como tema para sua história. “É como se uma borracha apagasse certos períodos da vida dessas pessoas. Aquela notícia me levou diretamente para o meu sonho.”

A narrativa parte do caso da mulher, que, na peça, é Michael, um homem que é mantido internado em um hospital após entrar em coma. Ele está sob os cuidados da mãe, Carol (Cláudia Mello), e do parceiro Paul, com quem casou há 11 anos. “Quando ele acorda, só lembra de sua mãe e não do marido”, explica Quilter. Com essa descoberta, um novo elemento se revela. “A mãe e Paul não têm um bom relacionamento. Eles se odeiam”, aponta Annamaria. O que seria, então, uma cena emocionante de reencontro se torna uma batalha empreendida por Carol por varrer Paul do futuro de Michael. 

Paciente. Sergio Lelys, Kiko Pissolato e Cláudia Mello discutem relação em hospital Foto: ANDERSON FERREIRA|DIVULGAÇÃO

De qualquer forma, intuição de mãe sempre funciona e ela é confirmada por Quilter, que, sem revelar as razões, dá uma pista. “Paul tem uma falha de caráter e, por isso, Carol não o considera uma boa pessoa nem um parceiro adequado para seu filho.”  A peça foi escrita em nove cenas. A diretora explica que o texto demandou um trabalho para compreender sua estrutura. “Cada cena possui começo, meio e fim independentes. Não se trata de um acúmulo em direção ao final”, conta. “Isso requereu uma percepção geral sobre a obra, além de levar em conta que é uma comédia.” 

Mas como importar o riso de um texto inglês? A questão encontra perspectiva nas ideias de Quilter, que tem peças montadas em mais de 30 países. “É muito difícil trabalhar com piadas que brincam com palavras, presentes na minha dramaturgia. Isso porque você pode perdê-las quando traduzir para um outro idioma”. Annamaria admite essa realidade e explica que foi importante reconhecer o terreno antes de caminhar. “Não posso dizer que adaptamos ou que fizemos alterações”, conta. “Nosso trabalho foi buscar um modo brasileiro de falar no dia a dia.”

O ator Kiko Pissolato, que vive o senil Michael, explica que houve um intercâmbio entre palavras, para encontrar essa proximidade com a realidade daqui. “Temos uma embocadura diferente e foi preciso amaciar o texto. As alterações ocorreram pelo uso de sinônimos, sem precisar introduzir gírias ou qualquer expressão informal”, explica. 

Conhecido do público brasileiro, Quilter aposta no humor dos atores. Ele esteve nas estreias de Gloriosa, estrelada por Marília Pêra, além de A Atriz, com Betty Faria, e O Fim do Arco-Íris, que conta a história da atriz Judy Garland. “O elenco brasileiro é naturalmente divertido.” Para reforçar a afirmação, ele recorda de uma peça sua teve uma estreia controversa em Berlim. “No texto, havia muitas piadas, mas elas não foram feitas. Acredito que os atores de lá não gostam de fazer drama e comédia ao mesmo tempo. No Brasil, sempre me deparei com qualidade artística e muita paixão no palco.”

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Para além da estrutura, Sergio Lelys, que vive Paul, ressalta que a peça também resguarda uma mensagem. “Ela trata de tolerância, ainda que o caminho seja passar a limpo a relação dentro de um quarto de hospital”, afirma. “É uma metáfora sobre o desgaste dos relacionamentos, e sempre vai existir aquele desejo de que tudo volte a ser como era no início”, completa Pissolato.

4.000 DIAS OU ABRA OS SEUS OLHOS. Teatro Alfa. R. Bento Branco de Andrade Filho, 722, tel. 5693-4000. Sex., 21h30; sáb., 21h; dom. 20h. R$ 35/R$ 80. Até 27/3.

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