Com um ano de pandemia, escolas de balé se adaptam para oferecer aulas online

Professores e alunos têm feito aulas a distância em tempo real, prática vista com ceticismo há um ano

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Por Paula Reverbel
Atualização:

A sapatilha, o collant e o coque continuam sendo usados durante a pandemia, no auge do isolamento social praticado no Brasil. Mas o ambiente mudou: no lugar do estúdio, a atividade agora acontece dentro de casa; no lugar dos espelhos, um laptop ou uma webcam. Foi com esse ajuste que professores, alunos e estúdios de balé clássico vêm conseguindo manter sua atividade em tempos de pandemia. De um ano para cá, eles acumularam a expertise de como se faz aulas de balé online em tempo real – algo visto com ceticismo há um ano.

A professora de ballet Priscila Monsano, que investiu em equipamentos de áudio e de vídeo para melhorar o contato com os alunos Foto: TABA BENEDICTO/ESTADÃO

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“Comecei só com o meu telefone, mas foi ficando puxado porque nem sempre é possível ver todos os alunos. Comprei um laptop. Depois, descobri que consigo jogar a imagem na televisão, que é o que tenho feito. Também tive de comprar uma luz e uma webcam. Montei uma salinha”, explicou o professor Paulo Vinicius Pinheiro Pedro, que ministra aulas para alunos adultos em diversos estúdios, inclusive para a Escola de Dança de São Paulo, do Theatro Municipal. A “salinha” dele consiste ainda em uma barra – espécie de corrimão no qual os bailarinos se apoiam para fazer os exercícios da primeira metade da aula – e um pedacinho de linóleo, revestimento de piso que tem a fricção ideal para o pé. A barra de Paulo é feita de tubos de PVC, uma solução comum entre bailarinos na pandemia.

Com passagem acumulada por diversas companhias de dança como bailarino, e por inúmeros estúdios como professor, Paulo Vinicius pertence ao grupo de risco da covid-19 por ter mais de 60 anos. Por isso, entrou em isolamento há 12 meses e ainda não saiu. Com as mudanças, explica que tem trabalhado mais. Além de duas turmas no Theatro Municipal, ele ministra aulas para a Companhia de Danças de Diadema e para escolas de dança, além de ter ganhado alunos particulares. O tempo que economizou dos deslocamentos pela cidade de São Paulo passou a ser gasto na sala virtual de aula.

Se, entre professores e estúdios, existe um imperativo financeiro para manter as atividades, entre quem estuda balé seriamente, ficar meses parado também não é opção.

“Se a gente deixar de fazer aula, perdemos o ritmo e a flexibilidade. Ficamos estagnados e pode ser que a gente até perca alguns trabalhos que já tenha conquistado”, explicou Helena Almeida, de 26 anos e que faz oito aulas por semana, além de dar aulas particulares – a praxe na área é não parar de treinar e seguir avançando tecnicamente, por mais que ministre aulas a alunos menos avançados. Helena também montou uma barra de canos de PVC e colocou linóleo em um quarto de sua casa. “Nesta segunda quarentena, a gente aceitou mais”, disse, sobre o retorno às aulas virtuais.

“Tanto para o estudo quanto para a manutenção fisiológica de força e alongamento muscular, o exercício tem que ser contínuo porque o ganho é gradativo”, explica a bailarina, fisioterapeuta e bióloga Priscila Monsano. Ela é uma das professoras e donas da Escola Ballet Maior, além de fazer aulas nos cursos livres do Theatro Municipal. “Se o aluno para por uma semana ou um mês, o corpo regride muito. Principalmente o adulto, que já tem calcificações. A manutenção das aulas e a disciplina corporal são fundamentais para a saúde articular e muscular de um corpo adulto”, explicou ao Estadão.

Para conseguir manter o estúdio funcionando, Priscila comprou equipamentos de áudio e vídeo. “Investimos em uma mesa de som com saídas diretamente para o computador para minimizar o delay, que era uma dificuldade no começo (das aulas online)”, afirmou. Uma das habilidades que professores buscam desenvolver em seus alunos é a musicalidade, ou seja, a capacidade de executar os movimentos de acordo com a tonalidade, o ritmo e a harmonia da música. Por isso, todos tiveram que trabalhar para mitigar os prejuízos de atrasos ou travadas na videoconferência.

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O Ballet Carla Perotti, escola que existe há 50 anos, mantém inúmeras turmas de várias faixas etárias e não passou por dificuldades na volta à quarentena. De acordo com a diretora pedagógica, Sabrina Martins Schvarcz, foi mais fácil este ano. “Em 2020, a gente não conhecia nada sobre isso. Testamos algumas plataformas e a que melhor atendeu a gente foi o Zoom. Então, hoje tenho quatro salas de Zoom, trabalhando online no mesmo horário, com a mesma carga horária, os mesmos professores e as mesmas turmas da grade presencial”, explicou. Aos professores que não têm o seu próprio equipamento, a escola deixa disponível uma sala do estúdio, para que ele faça a transmissão e permaneça isolado.

Sabrina explica que, para as crianças pequenas, ficou saturado o modelo de dar por videoconferência a mesma aula que era ministrada presencialmente. Por isso, ela tem criado jogos e outras maneiras de tornar a aula mais interativa. “Elas não aguentam mais (a tradicional). Fazem escola online, piano online, inglês online... Estamos no momento de olhar para a internet e ver quais os recursos que ela oferece”, defendeu. Em uma aula recente, a professora usou o que ela chama de “bingo dos passos”, para conseguir ensinar teoria e prática. No jogo, as crianças iam marcando em uma cartelinha os movimentos que conseguiam executar.

Se um exercício é com um pandeiro, Sabrina pede que as crianças busquem algo pela casa que sirva de pandeiro, para executar os passos em seguida. “Tem que fazer essa troca interativa, senão elas perdem interesse”, afirmou.

A escola que dirige foi uma das poucas que optaram por realizar um espetáculo presencial em dezembro, seguindo as restrições sanitárias que estavam em vigor naquele mês. Cada aluno só pode levar parentes imediatos e o espetáculo foi transmitido ao vivo para amigos e demais familiares. No começo, foi exibido um clipe com os alunos que não estavam fazendo aulas presenciais. Os professores foram orientados a montar coreografias com poucas pessoas no palco. O orçamento foi baixo, já que não era possível vender muitos ingressos. “Reaproveitei um cenário de um ano anterior em vez de mandar fazer. Abrimos a possibilidade de as pessoas fazerem uma contribuição voluntária para pagar o serviço de streaming. A gente não ganhou dinheiro, mas não perdeu”, afirmou. 

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Quem dançou usou uma máscara de acetato transparente, já que Sabrina reconhece a importância de sorrir no palco. Não foi registrada nenhuma transmissão em função da escola ou do espetáculo. “Os protocolos deram certo”, comemorou.

Apesar das dificuldades da era da covid-19, a situação tem contribuído para a união do setor. Os donos e diretores de estúdios de dança têm mantido contato para trocar dicas burocráticas – sobre renegociação do aluguel de seus espaços físicos, por exemplo – e vêm procurando formular demandas do setor. Com isso, o movimento Unidos Pela Dança Diretores (UPDD), grupo criado em 2018, viu um boom de membros desde março do ano passado e conta hoje com mais de 500 diretores de escolas do Brasil inteiro.

O advogado Anderson Schvarcz, marido de Sabrina e diretor administrativo do Ballet Carla Perotti, é um dos voluntários e colabora com lives sobre administração e finanças das escolas. A UPDD ainda promove trocas de dicas sobre gestão de crise, comunicação e uso de redes sociais, entre outros temas. O grupo agora procura se transformar em uma associação sem fins lucrativos para melhor orientar escolas frente ao mercado e ao poder público.

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A pandemia também trouxe ganhos de aprendizado no balé, por mais complicado que seja deixar de fazer aula presencial. “Agora, a gente precisa estar ainda mais atento para ouvir as correções e executar”, explicou Helena, sobre como é ser a única presente no espaço físico em que ela faz a aula. Quando a aula é presencial, os alunos frequentemente copiam a sequência uns dos outros na eventualidade de a memória falhar. 

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Para Juliana Máximo, que faz nove aulas de dança e ministra outras dez por semana, houve ganho técnico no período de quarentena. “Uma coisa que percebi em mim é uma questão da autoconfiança. As pessoas se deram conta de que conseguem decorar o exercício sozinhas e pararam de se comparar com os outros”, afirmou. No ramo, professores vivem lembrando aos alunos que não devem cair na tentação de se comparar com o bailarino que está ao lado. Em isolamento, esse problema não existe.

“Nesse sentido, senti que melhorei muito a autoconfiança dos meus alunos e a minha também, principalmente quando faço aulas de jazz, já que essa não é a minha formação”, conclui. Ela aponta ainda que o balé tem a ajudado a manter a rotina de horários, atividades físicas e alimentação. “Quem está sabendo aproveitar lá no final vai ter um ganho”, defende Paulo Vinicius.

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