Com cores exuberantes e canções latinas, Gabriel Villela encena ‘Rainhas do Orinoco’

Do mexicano Emilio Carballido, peça com Walderez de Barros entra em cartaz na sexta-feira, 13, e mostra duas artistas mambembes

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Por Maria Eugenia de Menezes
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Os clássicos sempre mereceram espaço no repertório do diretor Gabriel Villela. Ao longo de sua trajetória, o artista mineiro assinou diversas montagens de Shakespeare, incluindo sua festejada versão de Romeu e Julieta, com o Grupo Galpão, e a recente A Tempestade. Também já passou por Schiller, Calderón de la Barca e pelos trágicos gregos. 

É com desenvoltura que ele envereda por esse território. Contudo, invariavelmente, o criador retorna a suas raízes. Às memórias da infância em Rio Claro (MG), à magnificência do imaginário brasileiro, aos ícones da cultura popular. “É como se buscasse um eterno balanço entre esses dois universos, sempre oscilando entre o clássico e o popular”, comenta Villela, prestes a estrear Rainhas do Orinoco

Música. Ao vivo, trilha se inspirou na dupla Cascatinha e Inhana Foto: MARCIO FERNANDES|ESTADÃO

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Na comédia do mexicano Emilio Carballido, que abre temporada nesta sexta-feira, 13, no Teatro Vivo, o foco recai sobre as agruras de duas artistas mambembes. Para pontuar a trama, o encenador foi buscar canções latino-americanas, as cores exuberantes do México, do Peru e da Bolívia e a estética do circo-teatro – gênero que vigorou por mais de meio século e amparou o desenvolvimento das artes cênicas no País. 

Walderez de Barros vive Mina. Reconhecida pela densidade de seus papéis, a veterana atriz surge no palco como uma desesperançada e debochada artista de cabaré. Acompanhada por Fifi (Luciana Carnieli), ela percorre o continente – de El Salvador a Manaus, de Maracaibo a Bogotá. Já passou por incontáveis cidades, teve seus breves momentos de glória e uns tantos percalços. Mas, agora, os tempos parecem mais amargos.

A bordo de um barco, o Stela Maris, a dupla percorre os grotões da amazônia venezuelana navegando pelo rio Orinoco. Conseguiu um contrato para algumas apresentações. Mas não propriamente em uma casa de espetáculos. O público de um bordel, perdido nos confins do mundo, em um acampamento petrolífero, é tudo o que as espera. Serão recebidas como artistas ou como prostitutas? “São duas criaturas sem nenhuma perspectiva de futuro”, define Luciana Carnieli. 

Se o destino reservado às personagens não se revela auspicioso, o que importa é a travessia. Como lidam com a perspectiva do fim, com a rudeza da realidade, sem perder de vista a mágica inerente à sua arte. Não por acaso, Villela evoca Gabriel García Márquez e suas reflexões sobre a América Latina. Terra em que as pestes, a opressão e a fome se transformam em matéria para a fábula e a utopia. 

Mais reconhecido dramaturgo mexicano de sua época, Emilio Carballido (1925-2008) fez do mar uma constante em sua obra. Em vários de seus textos, o oceano aparece como cenário. No caso de Rainhas do Orinoco, porém, é um rio que merece protagonismo. E esse talvez tenha sido um dos traços a permitir que Gabriel Villela se sentisse tão à vontade ao encená-lo. 

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Quando fala de suas motivações e referências, o diretor mineiro recorre ao universo delineado por Guimarães Rosa não apenas em Grande Sertão: Veredas, mas sobretudo em a Terceira Margem do Rio, talvez o mais célebre conto do autor. Obra que também lhe serve de esteio na literatura brasileira é Vem Buscar-me Que Ainda Sou Teu, de Carlos Alberto Soffredini. 

Em 1990, Villela assinou a direção de uma montagem dessa peça. Com uma trama que retrata uma família de circenses, o texto já apresentava vários dos elementos que o encenador agora reencontra: a arte popular, a escrita que cambaleia entre o prosaico e o lírico, o drama filtrado pelo humor, certa veia de ingenuidade. “O que me permite voltar àquele universo naïf, de leveza, que já estava lá apontado”, crê o diretor. 

Quem estava presente em Vem Buscar-me Que Ainda Sou Teu e volta a marcar presença em Rainhas do Orinoco é o ator e musicista Dagoberto Feliz. Ao longo da encenação, ele acompanha as personagens Mina (Walderez de Barros) e Fifi (Luciana Carnieli) ao acordeom e ao piano, além de assinar os arranjos musicais das canções, executadas ao vivo. 

Ao escrever a peça, Carballido já a havia concebido como comédia musicada, com números a entremear as cenas. A atual versão, porém, altera o repertório previsto. Marca do trabalho do diretor é o uso pouco ortodoxo e bastante autoral que faz das trilhas sonoras em seus espetáculos. Um grau de liberdade que lhe permitiu perscrutar, por exemplo, temas de procissões religiosas e serenatas das festas de Minas Gerais para embalar sua montagem de Romeu e Julieta. Em parceria com a preparadora vocal Babaya – com quem concebeu 29 peças –, Villela encontrou no repertório latino da dupla sertaneja Cascatinha e Inhana o tom para a saga das duas artistas que atravessam o Orinoco. 

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A literatura latino-americana é pródiga em eleger personagens marginais, lançando luzes às figuras que a conformação social costuma guardar nas sombras. Neste Rainhas do Orinoco se acompanha o percurso de duas criaturas à deriva. Tanto em sentido metafórico – sem rumo profissional – quanto literal – estão em um barco no qual todos os tripulantes desapareceram e seguem sem a certeza de que chegarão ao seu destino.

Jovem, a personagem Fifi conserva alguma fé no futuro, é solar e sempre crédula. Um nítido contraponto à sua parceira de cena. Mais madura, Mina encara com amargura o que lhe está reservado. Mas nem por isso perde a altivez, como se imbuída da certeza de que seu ofício, ancestral, a transcende e é maior que ela. “Hoje, acredita-se que ser artista é algo sofisticado, glamouroso. Essa personagem é uma oportunidade de voltar às raízes, de mostrar o verdadeiro significado de ser artista”, aponta Walderez de Barros. 

Leia também: Walderez de Barros tornou-se principalintérprete de Plínio Marcos

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RAINHAS DO ORINOCO Teatro Vivo. Av. Dr. Chucri Zaidan, 2.460; 97420-1529. 6ª, 21h30; sáb., 21h; dom., 18h. R$ 50 a 80. Até 3/7. Estreia amanhã, 13/5

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