Bailarina brasileira vira febre no Egito

Como uma especialista em dança do ventre virou celebridade no país depois que um vídeo dançando de maneira informal foi espalhado pelas redes sociais

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Foto do author Gilberto Amendola
Por Gilberto Amendola
Atualização:

Ao atender aos pedidos das funcionárias e da proprietária de um salão de beleza no Cairo, no Egito, para que “dançasse um pouquinho”, Maria Lurdiana Alves Tejas, de 32 anos, não imaginava que sua vida mudaria radicalmente (mais uma vez) a partir daquela apresentação informal.

Lurdiana Tejas Foto: Arquivo pessoal

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Lurdiana havia acabado de ser atendida. Não vestia nenhuma peça do figurino tradicional da dança do ventre. Além disso, estava atrasada para um compromisso profissional e quase declinou do convite. Mas, para não parecer esnobe ou colocar em risco a amizade com as funcionárias brasileiras do salão, Lurdiana dançou. 

A “apresentação” sorridente e espontânea foi registrada por um celular – e o vídeo postado nas redes sociais. O que aconteceu a seguir foi uma explosão: o vídeo chegou a mais de 100 milhões de visualizações. No Twitter (no Cairo e em Dubai), a hashtag #Lurdiana e #Brasil foi parar nos trending topics por dois dias seguidos. Lurdiana transformou-se em uma celebridade e ganhou visibilidade no competitivo mercado da dança do ventre no Egito.

Mas a vida de Lurdiana teve muitas reviravoltas antes daquela dança no salão de beleza. Nascida em Porto Velho (RO), ela foi criada pela avó e três tios em uma área rural. A família vivia com pouco e alimentava-se, basicamente, daquilo que conseguia extrair da natureza. Ainda criança, ela ajudava a avó na colheita do açaí e da mandioca. “Eu não entendia nada daquilo como dificuldade. Para mim, era tudo muito natural”, contou Lurdiana.

Naquela época, a mãe de Lurdiana, Maria Zilza, não morava com a família. Bailarina, viajava o Brasil com uma companhia de dança. O contato de Lurdiana com a dança acontecia apenas por meio de apresentações nas festas do Boi Bumbá.  Só aos 7 anos ela foi morar com a mãe, em Camboriú, Santa Catarina. “Até essa idade, eu não conhecia coisas industrializadas, mal comia com garfo e faca. Eu estranhei muito essa mudança”, contou.

Apesar dos desafios da adaptação, Lurdiana começou a frequentar a escola de dança em que a mãe dava aulas. “Eu me encontrei ali, fazia aulas de jazz, balé e street dance”, lembrou. A dança do ventre entrou na vida dela aos 15 anos. Primeiro, a partir da própria mãe – que começava a aprender e a ensinar o estilo. Mas, principalmente, pelo sucesso da novela O Clone – que apresentou a dança do ventre para muita gente. 

“Comecei a aprender com a minha mãe e através de vídeos. Eu fazia as aulas dela e outros cursos. Acabei parando com outras modalidades e me dedicando à dança do ventre. Com 18 anos, assumi o lugar da minha mãe na escola como professora de dança do ventre”, disse Lurdiana. 

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Lurdiana sempre teve o sonho de viajar, conhecer outras culturas e morar em outros países. “Na dança, conheci muita gente que teve oportunidade de trabalhar fora. Cheguei a fazer testes para ir para Dubai, mas o investimento financeiro era muito grande”, contou. No Brasil, ela vivia uma fase de insatisfação com a própria carreira. Do lado pessoal, um casamento de sete anos também chegava ao fim. “Foi quando uma amiga que já estava no Egito me ligou e falou da oportunidade de trabalhar por lá.” 

O Egito é uma das referências na dança do ventre, um país em que o estilo tem um status inimaginável no Brasil. Apesar de pressões religiosas, as bailarinas são como celebridades. “Recebi a ligação da minha amiga com o convite para ir ao Egito um dia depois da minha separação. Dez dias depois, estava sozinha no Egito”, recordou. 

Quando decidiu pela mudança de país, Lurdiana atropelou qualquer planejamento. Sem cartão de crédito, sem malas adequadas e sem falar uma palavra de inglês. “Peguei meu último salário, troquei uns dólares e parti sem olhar para trás. Foi assustador, mas revigorante.”

Em 2017, logo que chegou ao Egito, Lurdiana passou três meses dançando em Sharm el-Sheikh, cidade turística entre o deserto da Península do Sinai e o Mar Vermelho. No início, enfrentou dificuldades. “Chorei muito quando cheguei. A minha primeira impressão era que o Egito era um país de uma cor só, uma cor de poeira. Eu nasci em contato com a natureza, sentia muita falta. Tive problemas com a alimentação e dor de barriga durante uns três meses”, disse. Neste período, ela morava em um quarto com outras três bailarinas – um ambiente minúsculo, com pouca higiene. Lurdiana conviveu com bailarinas egípcias, russas e latino-americanas. 

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A dançarina contou que “penou” para ser aceita. “As pessoas não gostaram da forma como eu dançava; achavam que eu não sabia como interagir com o público. No Brasil, nossa escola é outra. A gente dança mais pensando no entretenimento. Lá, é algo mais sentimental. Uma outra relação com o público. Tive que aprender aos poucos, reconstruir meu jeito de dançar e carreira – com elementos que aprendi com as egípcias”, disse. A imersão na cultura local fez com que Lurdiana mudasse a sua dança. 

A grande virada na vida da dançarina aconteceu quando ela já vivia uma fase de muito trabalho. Estabelecida, já vivendo no Cairo (onde o público local é mais exigente), disputava os mesmos espaços com as bailarinas mais conhecidas. “Aqui, quando a dançarina de dança do ventre ganha certo status, ela é tratada como qualquer artista, como uma atriz ou cantora”, contou. “Apesar de não ser bem vista por uma parcela da sociedade.”

Aqui, voltamos ao início da nossa história. O vídeo que viralizou no ano foi gravado em um salão de beleza que Lurdiana costumava frequentar. “É um salão brasileiro, as funcionárias falam português”, disse. “Elas pediram para eu dançar. Eu estava de vestido, jaqueta, tênis e sem maquiagem. Não queria muito, estava atrasada. Nem pedi o vídeo. Dancei e esqueci daquilo”, lembrou.

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O fato é que aquele vídeo despretensioso tirou Lurdiana do anonimato. Ela deixou de ser reconhecida apenas no mundo da dança para ser uma figura reconhecida em todo o Egito. “O sucesso do vídeo foi justamente a falta de apelação, o fato de não ter nenhuma conotação sexual. Eles acharam, no início, que era uma egípcia dançando”, disse.

O vídeo foi parar na televisão – e foi reproduzido em todo o Egito e outros países da região. Ela chegou a aparecer em uma retrospectiva de 2020 (exibida por uma televisão local). No Instagram, a dançarina ultrapassou 1 milhão de seguidores. A repercussão, claramente, mudou Lurdiana de patamar. Hoje, ela é reconhecida nas ruas. Propostas de trabalho em cinema e TV começaram a aparecer.

Lurdiana agora dança em casamentos e eventos de celebridades locais – ganhando por apresentação o que ganhava em um mês de trabalho no início de sua jornada. Ela foi apontada pelo público como uma das melhores dançarinas do Egito. Com a repercussão do vídeo, Lurdiana também foi convidada para gravar o novo clipe do cantor egípcio Mahmoud El-Leithy, Cream with Yogurt. Além disso, ela também desenvolveu um curso inédito de dança do ventre online que será lançado em breve. “Estou onde eu sempre quis estar. Não penso em voltar para o Brasil agora. Penso em ficar mais uns 10 anos. Quero ter minha própria escola aqui no Cairo.” 

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