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Análise: Mostra Internacional de Teatro de São Paulo teve edição equilibrada

Mesmo com recursos e programação reduzidos, MITsp mobilizou novos públicos a partir do debate de temas urgentes da sociedade

Por Maria Eugenia de Menezes
Atualização:

A crise econômica alcançou em cheio os festivais de teatro do País. Desde o ano passado, é nítido o esforço desses eventos para garantir a sua sobrevivência, operando cortes, fazendo ajustes e reduzindo suas programações. Com a MITsp – Mostra Internacional de Teatro de São Paulo, o cenário não foi diferente. Ambições tiveram que ser readequadas e o festival, que tinha tudo para crescer, se viu encolhido. O orçamento de R$ 3,4 milhões, em 2016, passou para R$ 2,9 milhões. Nesse contexto, as 20 peças previstas inicialmente, tornaram-se dez – sete internacionais e três brasileiras. A mostra criada por Antônio Araújo e Guilherme Marques não perdeu, porém, em vitalidade.

Cena da peça 'Black Off', Ntando Cele Foto: Janosch Abel

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Em sua quarta edição, a MITsp seguiu firme no propósito de driblar as dificuldades operacionais de sua estreia. Quando surgiu, em 2014, o impacto foi tanto – e tamanha a procura – que o evento se tornou conhecido pelas filas que provocou. Gradativamente, essas questões de demanda foram ajustadas. Hoje, pode-se adquirir o ingresso antecipadamente, mas também na hora das apresentações. Algumas peças mereceram um número maior de sessões. Existem tanto opções pagas quanto gratuitas.

Tomada por protestos, a abertura deste ano tornou-se um espaço de manifestação das inquietações dos artistas e das dificuldades que a própria MITsp encontrou para se viabilizar. Encontrou aí, algum sentido e força. Mas já passa da hora de rever o formato desse tipo de cerimônia, atravessada por discursos vazios e falas de autocongratulação das entidades parceiras e patrocinadores. Em qualquer lugar, esses seriam gestos de cabotinismo a ser evitados. Por aqui, sabe-se lá por que, ninguém tem coragem de dar um basta ao ridículo.

Uma outra armadilha do formato da mostra dizia respeito a seu público, formado basicamente por um público já cativo do teatro, sem se abrir a novas plateias. A curadoria das duas últimas edições tem redimensionado essa limitação ao abraçar temas urgentes do debate social e político. Sem fazer concessões estéticas ou abraçar qualquer tipo de bom-mocismo, os espetáculos escolhidos mostraram-se capazes de mobilizar espectadores neófitos.

Foi o caso, por exemplo, dos títulos que tratavam do racismo e da questão negra – um dos eixos da programação. Com a performance Black Off, a sul-africana Ntando Cele conseguiu mudar a cor da plateia do Itaú Cultural. Desnudando clichês, fez reverberar suas palavras ácidas e agressivas. Mas não se tratava apenas de discurso engajado. A potência dessa performer está não só no que diz, mas na qualidade de sua própria presença.

Também mobilizou a atenção de um público mais amplo a trilogia do diretor libanês Rabih Mroué. Com formatos que mais lembravam palestras acadêmicas do que obras teatrais, o diretor valeu-se de elementos muito simples – um cadeira, uma mesa e um telão para projeções – para equacionar questões complexas da contemporaneidade. Revolução em Pixels mostra como, mesmo diante de um conflito sangrento, os sírios arriscaram suas próprias vidas para documentar o que estava acontecendo. Já Cavalgando Nuvens transporta questões históricas para o âmbito pessoal. Irmão do diretor, Yasser Mroué, relata no palco a própria biografia: a de um homem ferido durante a guerra no Líbano, que perdeu os movimentos de um lado do corpo, a capacidade de sonhar e de lidar com representações. Sua dor não é individual, é coletiva, social. 

Os fluidos limites entre realidade e ficção, entre arte e política, são uma pauta importante para o teatro contemporâneo e estiveram mais uma vez presentes neste ano. Um aspecto dessa discussão, porém, mereceu especial relevo: a questão da representação. As lições de Bertolt Brecht parecem ter voltado com força nesse começo de século e os ecos do seu pensamento puderam ser vistos em criações tão distintas como Mateluna, de Guilhermo Calderón – investigação dialética sobre a prisão de um ex-guerrilheiro chileno – e Por que o Sr. R. Enlouqueceu?, espetáculo da alemã Susanne Kennedy, que recusa qualquer tipo de sentimentalismo ou identificação entre plateia e personagens. 

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Vislumbre da pungência da atual cena germânica, esse título talvez possa figurar, aliás, como a grande obra dessa 4ª edição – no geral, tão equilibrada. Em 2018, a MITsp, que tão rapidamente amadureceu e deu frutos, deveria merecer a chance de voltar a crescer e arriscar.

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