PUBLICIDADE

Um ano na batida de Chico, Cyro e Édipo

Temporada teatral do Rio abre 2014 com musicais de perfis diversos

Por Daniel Schenker e RIO
Atualização:

Entre a evocação de Chico Buarque, a homenagem a Cyro Monteiro e a apropriação do mito de Édipo, a temporada teatral carioca de 2014 iniciará com musicais de portes e propostas variados. No dia 3 , Amigo Cyro, Muito Te Admiro! chega ao Centro Cultural Banco do Brasil apresentando um painel da trajetória do cantor e compositor emoldurado por canções, como Beija-me, Os Quindins de Iaiá e Se Acaso Você Chegasse. No dia 9, Charles Möeller e Claudio Botelho surgem no Teatro Clara Nunes com Todos os Musicais de Chico Buarque em 90 Minutos, espetáculo no qual reúnem músicas de Chico, que completará 70 anos no próximo ano, concebidas para peças, filmes e novela de TV. No dia 11 será a vez de A Aquela Companhia, dirigida por Marco André Nunes, desembarcar no Espaço Sesc, em Copacabana, com Edypop, trabalho oriundo de uma mescla de referências heterogêneas (tragédia de Sófocles, Sigmund Freud, John Lennon), além de um mergulho no mundo pop. Möeller e Botelho têm longa parceria com Chico Buarque, a julgar pelas montagens de Na Bagunça do Teu Coração (1998), Suburbano Coração (2002), Ópera do Malandro (2003) e Ópera do Malandro em Concerto (2006). "Minha paixão pelo Chico começou quando estava em Uberlândia (MG) e escutei Meus Caros Amigos", lembra Botelho. Nesse novo trabalho, Möeller e Botelho trazem à tona uma vasta produção de Chico, principalmente em relação ao elo com o campo teatral. Ambos juntaram músicas como Sem Fantasia, composta para Roda Viva (1968), Tatuagem e Bárbara, para Calabar (1973), Basta um Dia, Bem Querer, Flor da Idade e Gota D'água, do musical Gota D'água (1975), Pedaço de Mim e O Meu Amor, criadas para Ópera do Malandro (1978) Dueto, de O Rei de Ramos (1979), Tango de Nancy, de O Corsário do Rei (1985), além de Biscate, da trilha de Suburbano Coração (1989). Também selecionaram canções que integraram filmes: Mambembe e Baioque, de Quando o Carnaval Chegar (1972), de Carlos Diegues, O que Será, incluída em Dona Flor e Seus Dois Maridos (1976), de Bruno Barreto, Não Sonho Mais, de República dos Assassinos (1979) e A Violeira, de Para Viver um Grande Amor (1983), ambos longas de Miguel Faria Jr. E inseriram a canção João e Maria, tema da novela Dancin' Days (1978), de Gilberto Braga. As cerca de 50 músicas do espetáculo serão reunidas em um CD, a cargo da gravadora Biscoito Fino. Em Todos os Musicais de Chico Buarque em 90 minutos, Möeller e Botelho imprimem uma atmosfera de teatro brasileiro antigo, mesmo sem a intenção da contextualização histórica, através da jornada de uma companhia mambembe. O dono do grupo, interpretado por Botelho, passou a se esquecer dos fatos referentes à companhia e, ao tentar lembrá-los, mistura acontecimentos de maneira desordenada. "Estamos falando sobre artistas como Procópio (Ferreira), Dulcina (de Moraes) e Odilon (Azevedo). Eu sou ligado a Procópio. Bibi até me disse: 'você é a cara do papai'", diz Botelho. Essa encenação remete não só aos trabalhos anteriores de Möeller/Botelho com a dramaturgia e a música de Chico, apesar do projeto ser distinto, como a outras montagens, como O Despertar da Primavera, de Frank Wedekind. "O universo do Chico beira o operístico, mas, ao mesmo tempo, o circo, o mambembe, o teatro de vaudeville. Acaba nos levando a (Bertolt) Brecht e (Kurt) Weill e, em seguida, a Wedekind, autor que influenciou na criação da cenografia, com escadas de ferro", assinala Möeller acerca do cenário de Rogério Falcão.Biografia e subversão. Mais próximo do perfil biográfico, Amigo Cyro, Muito Te Admiro! revisita vida e obra de Cyro Monteiro, desde a infância em Niterói, passando pela convivência com o tio pianista, o ingresso no rádio, a dupla com Sílvio Caldas, o contrato com a Mayrink Veiga, o dueto com Carmen Miranda, o relacionamento conturbado com Odete Amaral, as implicâncias com Ary Barroso, os programas de TV com Elizeth Cardoso. "Cyro era querido, gentil, meigo, humilde, sem ambições. Adorava a família. Não tinha glamour", sublinha o diretor André Paes Leme. Mas a montagem não segue o formato convencional do levantamento de dados da trajetória do retratado. Paes Leme dá continuidade à sua investigação sobre teatro narrativo e faz com que os quatro atores - Rodrigo Alzuguir (autor do texto), Alexandre Dantas, Claudia Ventura e Milton Filho - interpretem Cyro e se desdobrem para viver os personagens coadjuvantes. Além disso, o diretor frisa a filiação ao musical de bolso. "O porte desse trabalho é delicado, intimista. Não há coreografias. Gosto do musical menos espetacular, mais romântico e humano", resume. Já a Aquela Companhia de Teatro vem firmando um lugar singular no panorama do teatro musical por meio de Outside (2011) e, agora, Edypop. "Procurei radicalizar na subversão da estrutura do grande musical. Não há os números habituais do gênero. As coreografias se aproximam mais de movimentações. A luz é climática, sem muita cor. Os figurinos realçam tons fechados", enumera o diretor Marco André Nunes. Em Edypop, o grupo conecta o Édipo da tragédia de Sófocles a Sigmund Freud (Complexo de Édipo) e a John Lennon. "Incluímos Lennon porque ele encarou o mito de Édipo quando lançou o álbum John Lennon Plastic Ono Band, o primeiro após a separação dos Beatles. Na época, ele fazia a terapia do grupo primal e teve que abandonar o processo no meio. Voltou para a Inglaterra e seguiu na terapia através do disco, que é raivoso", afirma Nunes. Edypop traz sete músicas de Lennon com novos arranjos de Felipe Storino e outras cinco compostas por Pedro Kosovski, autor do texto, e Storino, mais narrativas. O espetáculo representa ainda um aprofundamento da pesquisa da companhia em torno do universo pop. "Existe algo de excessivo, extravagante e até vulgar no pop, no que se refere à espetacularização de tudo", observa Nunes. "O pop nivela, não permite muita gradação. Há, nesse sentido, uma perda da aura da arte como instância especial."

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.