Fernanda Montenegro fala de sua vida e de teatro na série de depoimentos para a posteridade do MIS

Atriz lembrou de passagens pelo cinema e TV, mas demonstrou preferência pelo palco

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Por Roberta Pennafort
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Bem humorado, afetuoso e rico em detalhes pitorescos, o depoimento para a posteridade de Fernanda Montenegro ao Museu da Imagem e do Som, no Rio, quarta-feira, foi uma declaração de amor ao teatro. Aos 84 anos de vida e mais de 60 de dedicação à dramaturgia, ela lembrou passagens também pelo cinema e a TV, mas foi clara ao demonstrar sua preferência pelo palco - mesmo quando fez peças "horrendas" ou de "fracasso tenebroso" e ganhava tão mal que se alimentava de "feijão, arroz, bife esturricado e uma folha de alface com vinagre". "O teatro tira, mas o teatro dá. A questão é a gente não morrer no caminho", brincou, sobre os anos iniciais de penúria ao lado do marido, Fernando Torres (1927-2008), a quem o depoimento foi dedicado. Fernanda abriu a tarde com uma homenagem: "Se não fosse esse companheiro de vida, eu não seria eu. Foi essa comunhão, essa vivência louca de atores que nos colou para o resto da vida". Foram quase cinco horas de histórias. Entre os entrevistados estavam os amigos Gilberto Braga, Otávio Augusto, Jacqueline Laurence e a crítica teatral Barbara Heliodora. Eles a instaram a recordar figuras como Dulcina de Moraes e Nelson Rodrigues e as experiências nas companhias de Henriette Morineau e de Maria Della Costa e pelo Teatro Brasileiro de Comédia. Fernanda repassou momentos gloriosos da carreira, como a montagem, em 1959, de O Mambembe, de Arthur Azevedo, com os companheiros do Teatro dos Sete (Fernando Torres, Sergio Britto e Ítalo Rossi), considerada por Barbara uma das marcantes de suas mais de cinco décadas em atividade. "Morineau foi a primeira pessoa que vi que tinha aquele compromisso com o teatro. Era um bicho em cena, com total poder de protagonismo. Tinha um profundo respeito por aquele espaço, que não é um espaço de distração. Ela era do tamanho do teatro. Eu senti que deveria ousar protagonizar", contou. "Hoje, o ator fala em cena e a emissão é ruim, a articulação também. No meu tempo, isso era exigido às raias da loucura", descreveu, rememorando depois o tempo em que apresentava duas récitas por dia várias vezes por semana. "Agora você não pode ter cenário. O teatro é alugado a cada duas horas. A gente, que vem de longe, se assusta." Ela falou também de alguns dos mais de 20 filmes e 30 novelas e séries para a TV. Fez a plateia rir em vários momentos, em especial ao descrever a falta de dinheiro que marcou boa parte das produções de que participou de ser reconhecida como a maior atriz do País (é uma das mais bem pagas da TV Globo). Ao falar de A Falecida, de Leon Hirszman (1965) - o melhor filme brasileiro de todos os tempos, para Gilberto Braga -, disse que, à época, "estava na zona da fome". "O cinema brasileiro é sempre pobre. A produção inteira de Tudo Bem (de 1978, dirigido por Arnaldo Jabor), custava o mesmo que as dez inserções na Globo para divulgar o filme". Central do Brasil (1998), de Walter Salles, que fez dela a única atriz brasileira a concorrer ao Oscar, já foi em outro patamar. "A comida era ótima. Aliás, tem que ser. Já vi briga por causa de almôndega!" Sobre as premiações, demonstrou desapego: "Prêmio a gente recebe quieto e vem embora pra casa". Foi o segundo relato de Fernanda ao MIS. O primeiro, centrado na infância e nos anos de formação profissional, foi em 1971 - "mais contido", segundo a atriz. Em 48 anos da série dos depoimentos para a posteridade, poucos artistas tiveram essa prerrogativa de continuar o relato - Dona Ivone Lara foi outra. Os 56 lugares do auditório e os 70 para assistir de fora por um telão foram disputados. Entre os fãs, estavam adolescentes. "Estou até tremendo. Isso aqui é uma aula", dizia Douglas de Souza, de 17 anos, de uma escola do subúrbio carioca.

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