Jovens são fãs de 'Euphoria', mas não de seu criador, Sam Levinson

Uma extraordinária mobilização nas redes se dá em torno de Sam Levinson, o roteirista e criador da série Euphoria, que terminou no último domingo

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Por Marc Tracy
Atualização:

Quando o final da segunda temporada de Euphoria foi ao ar na noite de domingo na HBO, a conversa nas redes sociais sobre o áspero drama adolescente girou em torno da morte de um personagem, uma batalha real entre dois outros personagens e o arco de Rue, a adolescente problemática interpretada por Zendaya.

Cena de 'Euphoria' Foto: HBO Max

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Mas uma pessoa real com o dobro da idade de qualquer aluno da East Highland High School da série também foi uma parte importante da discussão dos fãs e dos memes no TikTok, Twitter, Reddit e Instagram. E a maioria das postagens nas mídias sociais sobre ele não eram elogios, pois os fãs se perguntavam por que várias tramas não terminaram de maneira diferente.Sam Levinson, que criou Euphoria (adaptação de uma série israelense de mesmo nome), escreveu todos os 18 episódios de 1 hora e dirigiu todos exceto três, emergiu como uma figura central na narrativa em torno da série, com fãs rotineiramente indo para as mídias sociais para criticar suas visões dos personagens. Seu nome apareceu em 300.000 tuítes desde que esta temporada começou a ser exibida em 9 de janeiro, disse o Twitter na semana passada, um número ofuscado por menções aos personagens mais populares da série, mas quase inédito para um escritor. (Suas menções são aproximadamente comparáveis às de “#Fexi”, a abreviação para o desejado par romântico dos personagens Fezco e Lexi.) No TikTok, os vídeos com a hashtag #SamLevinson receberam quase 40 milhões de visualizações, a empresa disse.

Embora algumas séries de televisão de prestígio tenham transformado seus showrunners em celebridades, é incomum que um roteirista-diretor fora das telas apareça de forma tão proeminente no discurso dos fãs. E o teor é indiscutivelmente diferente das últimas temporadas de um sucesso anterior da HBO, Game of Thrones, quando muitos fãs argumentaram que os showrunners estavam fazendo um produto inferior. Até os críticos de Levinson admitem que repreendê-lo por trabalhar mal em um programa que eles amam – o mesmo programa que ele está fazendo – é, como Madeline Ducharme, do Slate, escreveu recentemente, “uma maneira muito estranha de se envolver em um discurso sobre sua série de televisão favorita”. (Levinson se recusou a comentar.) O discurso extraordinário em torno de Levinson resulta de várias características notáveis de Euphoria. Não existe sala de roteiristas, como a maioria das séries semelhantes, confirmou a HBO, então os fãs podem achar justo imputar as decisões mais criativas a Levinson. Ele cresceu em popularidade, chamando uma atenção descomunal. Talvez o mais importante, ele conta histórias complexas sobre pessoas cujas histórias geralmente não recebem nuances na cultura popular: pessoas não brancas, viciados em drogas, pessoas queer e transgêneros – e estudantes do ensino médio. Junte tudo isso e você terá em Levinson um artista que os fãs adoram odiar, e que faz algo que eles adoram amar. Paul Booth, professor de estudos de mídia e cinema na DePaul University, disse que o status curioso de Levinson representa ao mesmo tempo uma continuação das tendências da cultura de fãs que datam de décadas e uma aceleração contemporânea dessas tendências. A mídia social, ele disse, “faz você se sentir parte de uma comunidade”. Ele acrescentou: “Porque, como fã, você está contribuindo para uma maior compreensão cultural do texto, há um sentimento de propriedade que ocorre”. A audiência explodiu nesta temporada, com o primeiro episódio conquistando quase 19 milhões de espectadores desde sua estreia, incluindo tanto na HBO quanto na HBO Max, disse a rede, que foi mais de 2,5 vezes o número de espectadores da estreia da temporada passada ao longo daquela temporada.

Uma objeção frequente dos fãs é que Levinson sexualiza inadequadamente certas personagens femininas. Cassie, uma personagem do ensino médio interpretada por Sydney Sweeney, é filmada de topless em vários episódios. Sweeney disse em uma entrevista este ano que ela se recusou a ficar nua em algumas cenas que Levinson havia roteirizado – acrescentando que Levinson aceitou suas sugestões prontamente. Uma segunda atriz, Minka Kelly, disse à Vanity Fair que ela também se opôs a ser filmada de forma sugestiva em uma cena nesta temporada, levando Levinson a reescrevê-la. Ambas as atrizes deixaram claro que não tinham ressentimentos. Mas muitos fãs de Euphoria têm. Francesca Hodges, estudante do último ano da Universidade da Califórnia, Berkeley, escreveu em um jornal estudantil que a nudez conspícua e as cenas de sexo de Sweeney a colocaram diretamente “sob o olhar masculino”, acrescentando que “Levinson usa Sweeney como um recipiente para a projeção da fantasia masculina”. “Sinto que estou assistindo uma versão minha navegando pelo mundo quando jovem”, disse Levinson em um clipe produzido pela HBO em 2019, quando a primeira temporada foi lançada. “Esta série não pode ser escrita por mais ninguém porque é muito pessoal”, disse Zendaya na mesma palestra, acrescentando a Levinson: “Tenho essa ideia de que todos os personagens são apenas facetas diferentes de sua personalidade”. O dramaturgo Jeremy O. Harris, coprodutor nesta temporada, defendeu Levinson em um vídeo do TikTok. “Foi muito divertido ver as pessoas falando sobre ‘Euphoria’ e fazendo teorias”, ele disse, mas insistiu que o set era seguro e divertido para o elenco. Levinson e outros associados da série disseram que há uma colaboração criativa substantiva entre Levinson e membros do elenco. A única vez que ele compartilhou um crédito de escrita foi com Hunter Schafer, a atriz transgênero que interpreta Jules, uma personagem trans que foi o foco do episódio. O episódio “excita porque não é apenas uma voz, soltando uma lufada de ar fresco em quartos apertados em quarentena”, escreveu a crítica Alison Herman em The Ringer. Alguns fãs analisam o trabalho de Levinson através das lentes de sua identidade, mas elogiam sua empatia imaginativa ao expressar suas preocupações por meio de personagens que não são totalmente como ele. “Vamos abrir essa conversa”, disse Hadera McKay, estudante do segundo ano do Emerson College. Ela escreveu uma coluna em um jornal estudantil que insistia que era importante examinar o “uso da negritude” de Levinson, mas mesmo assim encontrou coisas para admirar em “Euphoria”, em que Rue é filha de uma mulher negra e de umpai branco judeu, e em Malcolm & Marie, um filme que Levinson escreveu e dirigiu que entrou na Netflix no ano passado (também estrelado por Zendaya). McKay disse que se “sentiu vista” pela escrita de Levinson. “A maioria dos críticos eram brancos e criticavam seu uso de personagens negros para descrever algo que era sua experiência”, ela disse. “Achei que era muito redutor.” /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES.

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