Zeca Pagodinho encontra Cauby Peixoto

Show do sambista em São Paulo terá como convidado especial Cauby Peixoto, a quem muitos associam apenas à imagem do cantor romântico, mas que foi sempre um músico eclético e atualizado Ouça Rock´n´roll em Copacabana Ouça Vai Vadiar e Coração em Desalinho

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Por Agencia Estado
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Do alto de 400 mil exemplares vendidos do CD Acústico (e 80 mil do DVD gravado pela MTV), Zeca Pagodinho apresenta-se sexta-feira e sábado no Credicard Hall. Como convidados, traz a Velha Guarda da Portela, que canta no disco, e Cauby Peixoto, que esteve com ele na estréia do show, no Claro Hall, no Rio. Os dois vão cantar juntos o samba Festa da Vinda, de Cartola, que gravaram há quatro anos, e músicas que decidiram deixar como surpresa. ?Do Cauby eu sou fã mesmo, ouço desde criança porque meus pais tinham os discos dele.? Cauby devolve os elogios. ?Zeca é ímpar, ajuda os amigos, é simples, vai a todos os lugares e todo mundo gosta dele. Só tem amigos?, derrama-se Cauby. ?E é um cantor incrível, no samba não tem para ninguém. No Rio, quando nos apresentamos juntos, ele fez a divisão muito melhor do que eu, agora vou seguir a onda dele para meu samba ficar perfeito como o dele.? A intimidade de Zeca Pagodinho com a música de Cauby Peixoto vai além. ?Adoro o jeito que ele canta, assim como sou fã do Miltinho e de toda aquela turma que tocava no Drinks?, enumera. Drinks é a boate que Cauby e seus irmãos ? Araken, Andyara e Moacyr Peixoto ? tinham em meados dos anos 60, onde Miltinho se apresentava. O repertório dessa época está no disco A Bossa e o Swing de Cauby Peixoto, com gravações dos anos 60, lançadas pela RCA Victor, hoje BMG. Na época, a bossa nova se firmava e Cauby entrou na onda, mas na contramão de João Gilberto, mais próximo aos músicos que juntavam jazz e samba. Apesar de os dois estarem ansiosos para cantarem juntos em São Paulo (?Adoro essa cidade, sempre fui muito bem recebido aqui, desde a primeira vez que cheguei, ainda nos anos 80?, conta Zeca), o show correu risco esta semana, pois Zeca ficou afônico logo depois do show da Mangueira, no Canecão, e Cauby teve um crise de coluna que o impediu fazer espetáculos no fim de semana passada e de circular por Copacabana, onde mora, nos outros dias. ?Mas eu precisava ir para São Paulo, repetir lá o sucesso que foi nossa apresentação no Rio, porque aquele público é maravilhoso e entende a nossa música.? Um cantor sempre eclético - Se um dueto de Cauby Peixoto com Zeca Pagodinho parece inusitado, quem conhece apenas o clichê do cantor de sambas-canções e boleros derramados, na linha de Conceição, deve se surpreender também com seu pioneirismo no rock brasileiro. Esta é uma das curiosidades do cantor que voltam à tona com o lançamento da compilação A Bossa e o Swing de Cauby Peixoto (BMG), reunindo gravações raras de sua fase na RCA nos anos 50 e 60. Sempre acompanhando a moda, o versátil Cauby gravou em inglês, espanhol, francês, italiano. Enveredou pela bossa nova e o samba-jazz, além de registrar versões de standards americanos. Naquela época, todo mundo embarcou em alguma dessas ondas. Não deixa de ser espantoso que o rock tenha sido lançado no Brasil por uma mulher, Nora Ney (1922-2003), trintona na época, que para completar era a rainha da dor-de-cotovelo. Nora pôs na roda em 1955 a versão em português do primeiro marco roqueiro, Rock around the Clock, de Bill Haley. Cauby, de babados e maquiagem, poderia ter sido uma espécie de Little Richard. Um dia quis ser Elvis Presley. A atitude rendeu louvores em revistas americanas como a Time e custou-lhe algumas críticas no Brasil. Nem por isso deixou de estraçalhar o coração das mocinhas casadouras. Foi ele quem gravou em 1957 a primeira canção brasileira do gênero, Rock ?N? Roll em Copacabana, de Miguel Gustavo, aquele de Café Soçaite e da pegajosa marcha ufanista Pra Frente Brasil. À sombra dos americanos Elvis, Richard e Haley, clones se proliferavam como gremlins em diversos países. No Brasil, com o habitual atraso, ninguém novo surgiu até Celly Campello, em 1958. Além da dificuldade de importação, os discos estrangeiros também demoravam a sair em edição nacional. Vai daí que, na falta de brotinhos, os veteranos aproveitaram a oportunidade para deitar e rolar. Desavisados como Moacyr Franco e o humorista Paulo Silvino aderiram ao rock usando pseudônimos ingleses, como Billy Fontana e Dixon Savanah. Cauby adotou o codinome Ron Coby, que depois mudou para Coby Dijon, para tentar carreira internacional. Foi como Ron que gravou a balada do-wop Destiny Is a Woman e o calipso Birds, Bees and Coconut Trees, dois bijus (para usar um termo de época) desta compilação produzida por seu biógrafo Rodrigo Faour, de 31 anos. Num medley com Gente (Marcos e Paulo Sérgio Valle), Garota Moderna (Jair Amorim/Evaldo Gouveia) e Garota Demais (Marcos Moran/José Ary), Cauby evoca o suingue do bamba Wilson Simonal, a quem nada fica a dever. Outra peça rara é Tamanco no Samba (Samba Blin), um achado que tem o cult Orlan Divo como um dos autores. Com propriedade, bebe dos frascos de Frank Sinatra na bilíngüe Estranhos ao Luar (Strangers in the Night) e antecipa Elis Regina em Canto de Ossanha (Vinícius de Moraes/Baden Powell). Grande parte do disco tem a atmosfera típica das boates cariocas que abrigavam gente do melhor naipe nos anos 60. Cauby teve a sua, onde atuava ao lado dos irmãos: o trompetista Araken, o pianista Moacyr e a cantora Andyara. Se aderiu a todas as modas, do bolero ao rock, do samba-canção à bossa nova, jamais dispensou uma camada providencial de glamour brega-chique. Bossa à moda de Cauby não é baixar o tom ao nível de João Gilberto. Sob suas asas, clássicos de Tom Jobim (foi o primeiro a gravar Samba do Avião) decolam de braços levantados. A aura de cafonice, que de alguma maneira o estigmatiza, nem por isso impede que sobressaia a cada faixa o luxo de intérprete que foi.

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