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Zeca Baleiro, talento para o ritmo

Seu quarto álbum, lançado este mês, Pet Shop Mundo Cão, sublinha seu talento para a rima, para o ritmo, a crítica e o humor

Por Agencia Estado
Atualização:

Aos 36 anos, Zeca Baleiro é dono de uma das mais consistentes trajetórias entre os novos, ou quase novos, da música brasileira. Seu quarto álbum, lançado este mês, o confirma. Pet Shop Mundo Cão sublinha seu talento para a rima, para o ritmo, a crítica e o humor. Ou seja, seu talento de compositor popular, como ele mesmo se define. Maranhense de Arari, Baleiro se descolou rapidamente dos rótulos regionais e revelou uma forte vocação para a transgressão de gêneros. Depois de aparecer com Por Onde Andará Stephen Fry? (1997) e Vô Imbolá (1999), Baleiro soltou em 2000 o delicado e confessional Líricas, numa ressaca da maré pop. "Houve um esgotamento natural desta estética, cansei do pop", disse, à época. Com Pet Shop Mundo Cão ele volta à carga, volta pop, radicaliza sua vocação de transgressor, de franco atirador, e se sai bem. Não bastassem os cruzamentos entre samba, embolada, rock, carimbó, reggae etc., Baleiro incorpora de vez a eletrônica, o sampler, os beats. Mas toma o cuidado, raro, de não deixar a programação encobrir outros arranjos, de cordas ou sopros, como nas ótimas Eu Despedi o Meu Patrão, Telegrama, Um Filho e um Cachorro e A Serpente (outra lenda). Não estranha que tenha investido também em rap, seguro do domínio que tem sobre, justamente, ritmo & poesia. Ou que tenha desembocado no drum?n?bass. Mas, de novo, o faz com humor, e já subvertendo o gênero. A faixa Drumembêis sintetiza a opção. Sobre uma base tecno, Baleiro tece uma divertida embolada, de forte acento regional, levando à paisagem do sertão picapes, raves e ecstasy. A corruptela que batiza a faixa fica entre a ironia e a celebração. A mesma tensão é explorada no rap As Meninas dos Jardins ("Eu vi o Mano Brown vestindo gap na TV") e na baladinha iê-iê-iê Fiz Esta Canção ("fiz esta canção só pra você/mas pra quê?/se você gosta de MPB"). Pet Shop Mundo Cão também tem seus tropeços, e a faixa Hacker parece ser o maior, embora tenha sido escolhida para promover o disco no site oficial do cantor (www.zecabaleiro.com.br. Nela, Baleiro reprisa outras tentativas deslumbradas de incorporar à canção os novíssimos termos do mundinho cyber. Mundo dos Negócios, apesar de um ou outro verso mais inspirado, também fica devendo. Heterogêneo - Baleiro escreve na apresentação do disco que não conseguiu, embora fosse o propósito, concluir um disco homogêneo. Ao contrário, lança um álbum que transita "por muitos territórios sem pertencer a nenhum". Em parte, a "culpa" pela falta de homogeneidade do álbum recai sobre a extensa e eclética lista de parcerias e participações especiais. Na composição: Capinan (Eu Despedi o Meu Patrão), Sérgio Natureza (Mundo Cão) e Mathilda Kovak (Fiz Esta Canção), entre outros. Nas gravações: Karnak, Elba Ramalho, Vange Milliet, Totonho e os Cabra e, entre muitos outros, o mutante Arnaldo Baptista, que faz o piano em Um Filho e um Cachorro. E tem ainda os conterrâneos Celso Borges, Fernando Abreu, Antonio Vieira, além dos samples e excertos de Sousândrade, padre Antonio Vieira, Haendel, Gregório de Matos, Gerônimo e Dante Milano. Tudo isso aos cuidados de não um mas três produtores: Érico Theobaldo, Jongui e Ramiro Musotto. Mas não é só isso. É Baleiro quem recusa homogeneidades. Sua opção é o estranhamento, a salada. "Não sou do samba/nem sou do rock/minha turma sou eu", ele repete, no sambão tecno que abre o disco. Não é bem assim. Ao passear por um sem-número de ritmos e temperos, misturando repente, bumba-meu-boi, carimbó, reggae, samba, rock, hip hop, etc., e ao incorporar samples, scratches e beats, Baleiro engrossa o time dos que apostam na fusão como linguagem, alardeando uma suposta falência dos gêneros. Pode parecer pretensioso, mas no caso específico de Baleiro, é sincero. E bom de ouvir. Pet Shop Mundo Cão - MZA/Abril Music. Preço médio: R$ 22,50.

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