Yusuf, ex-Cat Stevens, retorna ao pop com CD espiritual

Chega às lojas novo álbum do cantor, que nos anos 70 trocou estrelato pelo Islã

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Por Agencia Estado
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Em fóruns na internet há manifestos de antigos fãs de Cat Stevens, decepcionados com o conteúdo religioso de An Other Cup (Universal). Quem se predispuser a analisar o material com menos preconceito, no entanto, pode notar a diferença entre suas mensagens espiritualistas e uma pregação qualquer. Desde quando abandonou a bem-sucedida carreira como pop star, no final dos anos 70, para converter-se ao islamismo, esta é a primeira vez que o cantor e compositor, que passou a se chamar Yusuf Islam, comercializa um CD com canções pop. Ou seja, voltou a ser Cat Stevens, mas sem desrespeitar o Alcorão. Como a provar que nem toda religiosidade musical simboliza o fanatismo opressivo, Yusuf tem como respaldo histórico os êxitos de George Harrison, Bob Marley, o pastor Al Green e Billy Joel, entre outros que expressaram suas crenças em belas canções, sem impor seu direito de preferência. Além disso, Moby (Play e 18) e a dupla Brian Eno-David Byrne (My Life in the Bush of Ghosts) realizaram grandes discos usando colagens de cânticos e pregações religiosas. O distanciamento entre a produção de Yusuf e os CDs de gospel (!!) brasileiro, por exemplo, também se identifica pela qualidade da música. An Other Cup é um bom álbum de retorno, quase negando a passagem do tempo, ao ponto em que Cat Stevens parou. A voz mudou pouco em intensidade e textura, bem como a sonoridade folk; e até a idéia da capa do CD remete a Tea for the Tillerman, de 1970. Letras reflexivas Há ainda quatro canções do passado, o que deixa claro que ele não renega o que fez em termos musicais, apenas o entorno do show biz. Uma das melhores faixas, Heaven/Where True Love Goes, é uma adaptação de um trecho da longa Foreign Suite, do álbum Foreigner(1973), um dos poucos em que mostra o rosto na capa. I Think I See the Light vem de outro álbum antigo, Mona Bone Jakon (1970). Greenfields, Golden Sands foi composta por ele em 1968, mas permanecia inédita. Por fim, há uma belíssima regravação da clássica Don?t Let me Be Misunderstood (Benjamin/Marcus/Caldwell), que se encaixa à perfeição ao que ele quer justificar com suas convicções. Parece que a letra foi feita para contar sua história. Popularizada por Nina Simone e pelos Animals na década de 1960, a canção ganhou diversos bons covers, até cair na cafonice da disco music com o Santa Esmeralda nos anos 70. Agora volta em sofisticado arranjo de cordas e com outro conceito. Yusuf substitui "baby", a primeira palavra do verso inicial, por "people", mudando significativamente o endereço e o sentido do recado: "Oh, Senhor, por favor não deixe ser mal-compreendido." Por ser muçulmano, claro. Em termos de estrutura e arranjo, Maybe There?s a World não destoaria de um de seus discos dos anos 70. A letra pacifista e reflexiva, como todo o álbum, aliás, remete a Peace Train, um de seus clássicos. Outras também soam anacrônicas ao mundo barulhento de hoje, mas não é o que importa. Quem há de negar a urgência de versos como "Você não pode barganhar com a verdade/ Porque esteja certo ou errado/ Nós vamos saber o que você fez..." (In the End)? Em The Beloved, o senegalês Youssou N?Dour faz coro a seus versos mais impregnados de religiosidade, mas Yusuf tem o bom senso de não apelar para a pieguice comum aos crentes. Nos extras do DVD Majikat - registro da última turnê, de 1976, lançado no Brasil pela ST2Video -, Yusuf explica numa longa e convincente entrevista as razões que o levaram a abandonar o ritmo insano da vida de artista para se aprofundar na espiritualidade. Depois disso, até o fã mais incrédulo vai entender e aceitar sua opção. Afinal, desde o álbum Buddha and the Chocolate Box (1974) ele já dava seus indícios de questionamento espiritual em canções como Jesus, King of Trees e Home in the Sky. Era só uma questão de tempo.

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