William Christie fala sobre o universo barroco que ele recria em concertos

Maestro se apresenta nesta terça e quarta no Teatro do Masp

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Por Redação
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A identificação do maestro William Christie com o repertório francês é tamanha que é fácil esquecer que ele nasceu em Buffalo, estado de Nova York. Ou então que, ao ingressar em Harvard, tinha em mente formar-se médico. Até que a música acabou encontrando seu caminho - e ele começaria uma trajetória que faria dele um dos grandes regentes de seu tempo, especializado nos compositores barrocos, que fazem parte do programa dos concertos que ele rege nesta terça e quarta no Teatro do Masp, pela Sociedade de Cultura Artística, e na sexta na Cidade das Artes, no Rio.

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Na verdade, ainda na infância, Christie já tocava o cravo. Os pais tinham profundo interesse em música, em especial sua mãe, que regia o coral da igreja. Em entrevistas, o maestro costuma dizer que os autores barrocos, desde o primeiro contato, despertaram nele sensações profundas. Não por acaso, enquanto esperava o início do curso de medicina, organizou na universidade, com alguns outros alunos, uma série de apresentações de obras corais de Bach. Até que se deu conta de que seu caminho estava nas partituras das quais não se separava.

No início dos anos 1970, ele então mudou-se para Paris. E lá, em 1979, criaria o Les Arts Florissants, conjunto com o qual se apresenta em São Paulo e que se tornou, nos últimos trinta e cinco anos, símbolo da interpretação da música barroca. No programa, um panorama de autores do período, de Jean Baptiste-Lully a François Couperin, passando por nomes menos conhecidos, como Clérambault e Campra.

Regente. "Todo mundo hoje quer conhecer essa música e o modo como a fazemos" Foto: Agnes Dherbeys/The New York Times

“Este é um programa que, de certa forma, revela essencialmente nossa identidade como conjunto, mas nos apresenta de outra maneira a um público como o de São Paulo, para o qual já fizemos concertos com obras de caráter mais grandioso, para grande orquestra e coro”, diz ele em entrevista ao Estado. “Essas são peças para poucos instrumentos, canções de amor muito bonitas, que querem se comunicar muito diretamente com a plateia”, complementa, ressaltando que participam dos concertos jovens cantores que integram o Jardin des Voix, programa de residência para artistas em início de carreira criado por ele há alguns anos.

Revolução. O Jardin des Voix é apenas um dos testemunhos da importância que o Les Arts Florissants conquistou no cenário internacional. O grupo surgiu, lembra Christie, com a proposta de pesquisar a interpretação da música barroca de acordo com os estilos e técnicas da época em que as obras foram escritas. Seu nome faz homenagem ao compositor Marc-Antoine Charpentier, uma das preferências pessoais de Christie. E o conjunto, desde então, se dedicou não apenas à interpretação, dentro deste novo contexto, das obras-chave do repertório como ajudou a revelar peças esquecidas.

Brincando com a origem americana de Christie, o jornalista Nicholas Wroe escreveu no britânico The Guardian que Christie subverteu “o clichê do artista norte-americano em Paris”. “Em vez de enriquecer a arte americana com a sensibilidade tradicional e refinada da Europa, ele optou por defender uma certa música europeia negligenciada, fazendo isso com o célebre entusiasmo americano.”

Mas, se Christie se insere em um movimento mais amplo, que viu nascer outros conjuntos preocupados com a pesquisa histórica, ao mesmo tempo sempre defendeu um conceito muito específico de autenticidade. “A noção de autenticidade, quando aplicada a algo como a música de época, é uma ideia boba. Sim, eu uso instrumentos como guias e limites. E, sim, a minha prática musical me oferece uma série de definições e vocabulários. Mas, para esta música funcionar, eu também preciso ter uma dose forte da personalidade do intérprete”, disse, certa vez. Em outras palavras, para Christie, a pesquisa de época é uma ferramenta e não um fim em si próprio.

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E, trinta e cinco anos depois da fundação do Les Arts Florissants, como ele vê a maneira como as pessoas se relacionam com a produção dos séculos 17 e 18? “É um repertório que não para de crescer, assim como o interesse em torno dele. Todo mundo hoje quer conhecer essa música e o modo como a fazemos. Se você vai a conservatórios, encontra sempre alunos interessados, que querem estudar e aprender. Em Amsterdã, Londres, Inglaterra, São Paulo, na Coreia, no Japão, há departamentos dedicados a isso nas escolas de música. E isso é algo novo, com certeza.”

Esse interesse ele identifica também nos cantores que procuram o Jardin des Voix. “São jovens que têm 20, 21, 22 anos no máximo e já estão bastante atentos à questão do estilo, o que torna o trabalho muito mais fácil. É claro, estamos procurando especialistas, pessoas que estejam interessadas em entender esse tipo de canto, o comportamento cênico ideal. Mas, acima de tudo, são belas vozes, com boa técnica.”

Christie se diz feliz por ter, com seu conjunto, viajado o mundo, compartilhando seu credo musical. “As pessoas hoje entendem que há uma série de autores cuja música pode ser tão bonita quanto a de Bach ou de Mozart”, ele diz. E enxerga um futuro ainda mais repleto de descobertas. “Existe uma grande vantagem de se trabalhar com este tipo de música. Quando você pensa no repertório romântico, do século 19, não pode afirmar que existam obras de autores como Brahms ainda a serem descobertas ou reinventadas. O universo com o qual trabalho, porém, sugere justamente isso: a possibilidade de sempre encontrarmos autores e peças desconhecidos, à espera de alguém que as estude e as leve ao palco.” LES ARTS FLORISSANTSMasp - Grande Auditório. Avenida Paulista, 1,578, Bela Vista, 3251-5644. 3ª e 4ª, às 21 h. R$ 10/ R$ 60.

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