Wagner é destaque em festival de ópera

Com elenco de vozes quase totalmente nacional, A Valquíria terá em Manaus sua primeira montagem no Brasil desde os anos 50

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Por Agencia Estado
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Começa no domingo, com uma apresentação ao ar livre da ópera Cavalleria Rusticana, a 6.ª edição do Festival Amazonas de Ópera. Orçado em R$ 4,4 milhões, bancados pelo governo do Estado e pela Funarte, o festival - com quatro produções - tem como destaque a montagem de A Valquíria, ópera da tetralogia O Anel dos Nibelungos, de Richard Wagner, que não é montada no Brasil desde a década de 50. A Valquíria é a segunda ópera do ciclo, o "primeiro dia" do festival cênico de "três dias e uma noite preliminar" pensado por Wagner. A primeira ópera é O Ouro do Reno, uma espécie de introdução à história, que será apresentada no final do ciclo, quando ele for apresentado integralmente em uma só edição do festival. "Montar Valquíria primeiro garante a continuidade do projeto e toda a ação de O Ouro do Reno é retomada na ópera, não colocando obstáculos à compreensão", diz Luiz Fernando Malheiro, diretor artístico do festival. Além disso, Malheiro ressalta que A Valquíria era a ópera que mais se adequava às vozes brasileiras, que ocupam praticamente todos os papéis da ópera: Lício Bruno (Wotan), Celine Imbert (Fricka), Laura de Souza (Sieglinde), Eduardo Alvarez (Siegmund) e Pepes do Valle (Hunding). A valquíria Brunhilde será interpretada pela norte-americana Maria Russo e as oito outras valquírias por brasileiras como Edna d´Oliveira e Magda Painno. A Valquíria tem início com o encontro dos gêmeos Sieglinde (casada com Hunding) e Siegmund, separados ainda jovens, filhos de uma mortal com o deus Wotan, que tinha como intenção criar um herói que pudesse ganhar para ele o Anel, o que ele não poderia fazer por causa de uma maldição que paira sobre o objeto. Os dois se apaixonam e fogem, provocando a ira de Hunding, que vai atrás dos dois para desafiar Siegmund em duelo. Wotan, que tudo observa, pede a Brunhilde, uma das valquirias que ele gera com a deusa Erda, que ajude Siegmund no combate. No entanto, sua mulher, a deusa Fricka, o impede, exigindo que ele, após traí-la duas vezes, não a ofenda novamente ajudando Siegmund contra Hunding, contrariando, assim, as leis do casamento, por ela defendidas. Ele se vê, então, a retirar a proteção de Siegmund, enviando Brunhilde para trazê-lo ao Walhalla, casa dos deuses e heróis. Este é o momento em que ele percebe que seus planos de estabelecer uma nova ordem mundial, o que seria facilitado pelo anel (que lhe daria poderes ilimitados), não vão se concretizar. "O grande drama de Wotan é que, como qualquer arquiteto de uma utopia, ele sabe que ela é inatingível, mas ainda assim luta por ela", diz Aidan Lang, o diretor cênico. "Na busca pelo poder, Wotan enfraquece, fica à sombra de si mesmo, está preso entre o amor e a lei", acredita Lício Bruno. No entanto, Brunhilde, ao ver o amor de Sieglinde e Siegmund, se recusa a obedecer seu pai e os ajuda durante o combate. "Brunhilde sabe que é o amor puro de Siegmund que permitiria o encontro desta nova realidade pensada por Wotan", diz Maria Russo. Wotan intervém, Siegmund morre, mas ela foge com Sieglinde, que carrega um filho de seu irmão, e a liberta. Sua punição: transformar-se em uma mortal, adormecida, que só poderá ser acordada por um verdadeiro herói. "Siegmund está no meio do caminho na construção do homem ideal germânico pensado por Wagner, escolhido pelos deuses, mas ainda preso ao destino do qual ele não tem como escapar", indica Eduardo Alvarez. Em meio a tantas interpretações possíveis, Lang acredita que o mais importante é o poder de sugestão. "Há tanto na ópera que seria estupidez tentar acrescentar mais coisas. Não quero direcionar o público, mas sugerir à platéia relações e interpretações", diz ele. Na parte musical, o caminho parece ser o mesmo. "Seria pretensioso tentar revestir essa produção com uma leitura especial, maluca, é a primeira vez que estou regendo a obra, o enfoque precisa ser natural, respeitoso", diz Malheiro. Wagner pode ser um grande desafio em muitos sentidos, relacionados às exigências cênicas e musicais decorrentes, entre outras coisas, da idéia wagneriana da obra de arte total, na qual todas as artes se fundem e tornam-se dependentes. Para Maria Russo, "é como um rio que corre solto e você, como parte deste rio, não tem como sair". "A construção melódica é muito diferente, não é quadrada, cada momento tem uma nuance distinta, é como um quadro que vai sendo colorido aos poucos", acredita Pepes do Valle. Mais metáforas e comparações: "É uma casa que precisa ser construída cuidadosamente, tijolo por tijolo", indica Malheiro. "Exige um trabalho de artesão dos sons, da palavra", completa Lício Bruno. Ensaios - Para isso, no entanto, é preciso tempo, o que explica as seis semanas de ensaios, desde os primeiros encontros do elenco no palco do Teatro Amazonas, orientados por Lang e acompanhados de perto por Malheiro, ao piano, até os ensaios com orquestra. Nesse dia-a-dia, no palco, nos corredores do teatro, vai surgindo a concepção da obra e as coisas vão se encaixando. "O medo desaparece quando você começa a pôr ordem na sua expedição pela partitura, no momento em que os conceitos que surgem nas horas de estudo começam a ganhar vida", aponta Malheiro. E continua. "A música passa, então, a arrastar, a guiar." E o principal desafio parece ser tornar a ópera compreensível, em todos os níveis, para a platéia. "O ritmo dramático é muito diferente, extremamente complexo, e é preciso encontrar uma linguagem que, apesar de diferente, faça sentido e seja compreendida, para que haja uma conexão com o público durante a apresentação." O festival deste ano também vai apresentar uma nova produção do Don Giovanni de Mozart, dirigido por Iacov Hillel, regida por Marcelo de Jesus e estrelado por Paulo Szot, Rosana Lamosa, Sandro Christopher e Adélia Issa, entre outros. A outra ópera, além da Cavalleria Rusticana dirigida por André Heller, será Condor, de Carlos Gomes, com Celine Imbert e Fernando Portari. Marcelo Tas também leva à capital amazonense o espetáculo Zap! O Resumo da Ópera, no qual apresenta ao público de modo descontraído os principais compositores e suas obras mais significativas.

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