No início do ano, a baiana Virgínia Rodrigues apresentou-se no Carnegie Hall, em Nova York. A sua música encantou o público local. Mas apesar do sucesso fora do País, a cantora ainda tem muito para trilhar aqui. Enter quarta e sexta-feira, ela apresenta no Teatro do Sesc Vila Mariana o show do CD Nós, lançado no ano passado pela gravadora de Caetano Veloso, Natasha Records. "Eu tenho um público no exterior maior do que o daqui", afirma ela, referindo-se ao fato de primeiro ter lançado o álbum fora do Brasil, vendendo 30 mil cópias. "Trabalhei durante 50 dias pela Europa e pelos Estados Unidos." Virgínia não sabe explicar exatamente o porquê dessa característica de sua carreira, mas tem um argumento coerente, que vale para outros exemplos. "Diferentemente daqui, nesses países não há o interesse de se trabalhar a ignorância das pessoas", acredita. "Quando se é pobre e preto, pouca oportunidade aparece; conseqüentemente, a música se torna somente meio de sobrevivência e a arte fica de lado." Toda essa consciência é, sem dúvida, fruto de uma reflexão muito pessoal, mas, principalmente, baiana. O Brasil pouco conhece da música de Virgínia, da modernidade de Rebeca da Mata e muito menos da importante música sertaneja de Roberto Correa. Nós é o segundo disco da carreira de Virgínia. Com 36 anos, a cantora lançou seu primeiro álbum, Sol Negro, em 1997. Caetano Veloso foi o responsável por esse salto na sua trajetória musical, que, por anos, ficou resguardada dentro das igrejas protestantes e dos coros do Mosteiro de São Bento, ambos de Salvador. Caetano emocionou-se ao assistir à interpretação de Verônica, composição de domínio público, em 1994, num ensaio de uma peça do Bando de Teatro Olodum. A partir de então, a cantora teve todo o apoio do compositor, que faz questão de ser o seu diretor musical. "Procuro ouvir Caetano, pois ele é a voz da experiência", diz. "Nós foi um projeto pessoal que ele, generosamente, me deu." Ele queria ouvi-la interpretar alguns dos cantos de rua dos blocos afros do carnaval baiano, pois considera que "a sua voz especial possa ajudar a revelar o que há de grandioso nesses cantos, o que há de profundamente religioso neles". De fato, o segundo CD exibe essa amarração conceitual de forma bonita, tanto que encantou o público dos EUA e da Europa. Caetano sugeriu muitas músicas. Outras ela achou em relíquias como o álbum Afros e Afoxés, que traz até a participação de Gilberto Gil. Entre as grandes surpresas, a música Male - Debalê, já gravada por Lazzo, um dos seus intérpretes favoritos. Para chegar a essa seleção musical, Virgínia levou em conta a poesia da música e o seu jeito de interpretar. "Primeiramente, tenho de escrever a letra da forma como vou cantar, para enxergá-la e saber o quanto conseguirei interpretá-la com o máximo de sinceridade", afirma. "Além disso, outra grande preocupação que tenho são as letras; não gosto de cantar por cantar, preciso acreditar nos versos que canto e essas músicas falam muito das verdades de nosso dia-a-dia." Requinte - Distanciada do atual estilo carnavalesco, Virgínia interpreta músicas do Ilê Aiyê, do Olodum e da Timbalada usando requinte instrumental. Não faz delas peças eruditas, mas dá um tom mais sereno, menos pulsante. Composições como Mimar Você e Jeito Faceiro voltam a ter jeito de canção, feita também para ouvir. Além disso, ela incluiu três composições de Edil Pacheco e Paulo César Pinheiro (Male - Debalê, Ojú Obá e Afreketê), autores que não pertencem a blocos afros de Salvador, mas, decididamente, combinam com seu estilo de cantar. "Tenho em mente gravar um CD com músicas de grandes compositores, como Pixinguinha e muitos outros", informa. No show, ela será acompanhada por Luiz Brasil (direção musical, guitarra e violão), Tony Botelho (baixo acústico), Deborah Cheyne (viola), Nicolas Schiavos e Ronaldo Silva - ambos percussão - e David Ganc (sax e flauta).