Velha escola da soul music brasileira se reúne em duas noites

Toni Tornado, Carlos Dafé, Paulo Diniz, Di Melo e Banda Black Rio estarão no Sesc Pinheiros

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Por Julio Maria
Atualização:

Ainda existe uma brecha na história, uma página arrancada de um capítulo que se passa no início dos anos 1970 à margem da linha do tempo oficial. Um sítio arqueológico que poucos querem escavar. A soul music brasileira, por mais incongruência que o próprio termo possa indicar, foi além do que produzir cópias daquilo que James Brown fazia nos Estados Unidos. Nas entrelinhas dos versos ingênuos e nos contratempos dos grooves, havia uma carga de afirmação racial e política trazida por músicos negros na época em que eles só eram vistos como especialistas em cavacos e tamborins. E pouca gente percebeu que, mesmo de forma desarticulada, eles criaram um movimento.

Carlos Dafé será um dos "Mestres da Soul" Foto: Gabriel Alexandre

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Olhando para trás, Carlos Dafé reconhece o erro: “O problema foi a vaidade. Eu brigava muito por isso, faltou união”, diz, por telefone, do Rio de Janeiro. O tempo faz seu trabalho e, antes que seja tarde, permite a realização de algo que poderia ter sido feito há 40 anos. Por ao menos duas noites, nesta sexta (3) e sábado (4), no Sesc Pinheiros, quatro nomes fundamentais da soul brasileira, mais o principal grupo do cenário, estarão juntos para a segunda edição do projeto Mestres da Soul.

Eles estarão juntos e separados repassando carreiras de forma generosa. Toni Tornado, Carlos Dafé, Di Melo e Paulo Diniz vão ter como base a essencial Banda Black Rio, de William Magalhães, filho do fundador Oberdan Magalhães, morto em 1984. Cada um ativando memórias afetivas a seu modo. Toni Tornado com BR-3 e Não Grile a Minha Cuca; o carioca Carlos Dafé com A Cruz e Pra Que Vou Recordar que Chorei; o pernambucano Di Melo, que muitos fãs acharam que estivesse morto por um período, tem A Vida Em Seus Métodos Diz Calma e Pernalonga; e Paulo Diniz, outro pernambucano, de mais voz rasgada, que tem Pingos de Amor e Quero Voltar Pra Bahia.

Dafé chega às vésperas de lançar disco novo, que vai contar com participação de Zeca Baleiro, Bi Ribeiro, Orquestra Imperial, Marcelo Yuka e Toni Garrido. Quando entraram os anos 1970, ele fez testes para atuar no grupo Abolição, do pianista Dom Salvador, o primeiro formado só por músicos negros a entrar na Rede Globo, durante a era dos festivais promovidos pela emissora. 

Perdeu o posto por uma questão estética: apesar de atender a um requisito básico do Abolição, o de ser negro, Dafé era militar dos fuzileiros navais e jamais poderia pensar em deixar o cabelo no estilo black power adotado pelo time de Dom Salvador. Perdeu Salvador, ganhou Tim Maia, que convidou Dafé para ser seu tecladista.

“Havia preconceito, sim, tínhamos de lutar contra isso. Negro era aceito no pandeiro, no cavaquinho, mas não tocando piano”, diz ele. A soul que mostrava ao lado de Hyldon, Cassiano e Paulo Diniz poderia ser colocada em outra subcategoria se comparada ao que faziam Gerson King Combo, Toni Tornado e Toni Bizarro. Eram eles que desenvolviam uma linguagem mais abrasileirada, menos contaminada pela estética norte-americana. “Descobri depois que até os músicos norte-americanos queriam saber o que era aquilo que nós fazíamos. Quando fui para Los Angeles gravar com o (compositor e maestro) Arthur Verocai, eles perguntavam o tempo todo o que é que estávamos cantando.”

Di Melo lançou, em 1975, um disco que se tornou o cálice sagrado dos DJs. Um único álbum com seu nome na capa antes de desaparecer, a ponto de criar dúvidas nos fãs com relação à sua própria existência, como mostra o documentário O Imorrível, de Alan Oliveira e Rubens Pássaro. E Paulo Diniz... Bem, esse é outro que daria, sozinho, duas páginas de jornal.

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