PUBLICIDADE

Uma viagem empolgante com Kodaly, Shostakovich e Mozart

Grandes músicos, o pianista inglês Steven Osborne e o maestro francês Louis Langrée, deixaram nos camarins da Sala São Paulo os egos em geral infladíssimos de 99,9% de solistas e regentes para se colocarem a serviço da música

Por João Marcos Coelho
Atualização:

O concerto de quinta-feira, 7, da Osesp pode se inscrever entre as noites memoráveis desta temporada. Grandes músicos, o pianista inglês Steven Osborne e o maestro francês Louis Langrée, deixaram nos camarins da Sala São Paulo os egos em geral infladíssimos de 99,9% de solistas e regentes para se colocarem a serviço da música.

Preciso e refinado. O regente francês Langrée Foto: Kevin Yatarola/The New York Times

PUBLICIDADE

E os músicos da Osesp embarcaram nessa empolgante viagem que começou no século 20, com Kodaly e Shostakovich; e terminou com as primeiras sinfonias de Mozart e Beethoven, ainda no século 18. 

Ponto para Langrée. Ele sempre teve a orquestra a seus pés, obedecendo-lhe nas inflexões mais sutis. Daí as interpretações entusiasmantes das tão pouco tocadas Danças de Galanta, gemas da música cigana húngara, captada por Kodaly em 1933. Destaque para as madeiras da Osesp, em especial o clarinete de Sérgio Burgani.

O segundo concerto de Shostakovich foi um presente para o filho Maxim. Osborne foi preciso e virtuosístico nos dois movimentos intensamente rítmicos; e refinado num Andante que prima pela delicadeza de toque do piano solista. Uma obra menosprezada pelo próprio Shostakovich. Excesso de autocrítica? Talvez. 

No extra, Osborne nos presenteou com o blues Things Ain’t What They Used To Be, imortalizado por Duke Ellington. Detalhes: Shostakovich brincou muito em suas trilhas de cinema com o jazz; e Osborne tem em sua discografia um CD excepcional em que toca peças jazzísticas, porém inteiramente escritas, do ucraniano Nikolai Kapustin

A segunda parte nos transportou para os primórdios da sinfonia, no século 18. A primeira de Mozart, K. 16, foi escrita em 1764, em Londres. Um espanto, claro. Mas aos 8 anos ele era só um aluno aplicado que absorvia bem as lições do pai Leopold e de Johann Christian Bach.

Detalhe saboroso: no Andante, o par de trompas entoa o tema de quatro notas que muito mais tarde constituirá o final da Sinfonia n.º 41.

Publicidade

A primeira de Beethoven trafega em outro patamar. Ele tinha 29 anos quando a escreveu. E nela colocou um baú de novidades que desagradaram à crítica da época. Um deles “denunciou” suas liberdades harmônicas que “machucam os ouvidos sem falar ao coração”, referência ao início da sinfonia num acorde de dominante ocultando a tonalidade que demora um pouco para firmar-se, um luminoso dó maior. Outros reclamaram dos 12 compassos de tímpanos atapetando os ritmos pontuados das cordas, no Andante; e também da ambiguidade tonal no início do Finale. Mais que tudo, incomodou a emancipação dos sopros, que ocuparam espaços desmedidamente grandes na sinfonia, pelos padrões da época.

Ora, esses são os motivos que a tornam uma obra-prima capaz de nos emocionar profundamente – ainda mais numa execução tão empenhada como a de quinta-feira.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.