Trevor Pinnock rege obras dos autores na Sala São Paulo

Inglês é referência na interpretação de Mozart e Haydn

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Por João Luiz Sampaio
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A entrevista é com o maestro, mas a conversa logo gira na direção do solista, o flautista suíço Emmanuel Pahud. “Desde que nos conhecemos, há dez anos, e trabalhamos juntos em uma gravação da música de Bach, revelou-se para mim um artista que faz música com todo o seu ser, não apenas com o intelecto, com uma sucessão de notas”, diz o regente inglês Trevor Pinnock. É uma boa definição – que por sinal poderia facilmente ser aplicada também a ele.

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Pinnock e Pahud tocam Nesta terça, 6, e quarta, 7, na Sala São Paulo, ao lado da Orquestra de Câmara de Potsdam, pela temporada da Cultura Artística. Primeira-flauta da Filarmônica de Berlim, orquestra para a qual entrou com apenas 22 anos, Pahud vai interpretar concertos de Mozart e Devienne, autores que simbolizam, em suas palavras, “um era de ouro para a flauta como instrumento solista”. Mas o programa tem ainda sinfonias de Haydn e Mozart, duas especialidades de Pinnock.

“Haydn era um homem mais velho, e com certeza influenciou Mozart. No entanto, em toda a sua experiência, não hesitou em absorver elementos propostos pelo colega mais jovem. A relação entre esses dois criadores maravilhosos é por isso mesmo fascinante. E como músico é um prazer dar vida a ela em um mesmo programa. É curioso esse papel de intérprete. Eu costumo telefonar para esses grandes compositores, conversar um pouco com eles. Mas não me furto de uma questão central: que tipo de resposta pessoal eu posso dar a essa música?”, brinca Pinnock.

O regente. 'A música faz com que eu me sinta realmente vivo', diz Foto: Peer Lindgreen

Definir alguém como uma lenda costuma dizer muito e nada ao mesmo tempo a respeito dela. Mas, no caso de Pinnock, sua importância para a história da interpretação da música do século 18 está documentada em dezenas de gravações nas quais ajudou a dar forma à música historicamente informada, aquela que busca por meio de pesquisas compreender o estilo, as técnicas e outros aspectos da interpretação da época em que as obras foram compostas.

“Nós precisávamos naquele momento de uma nova exploração para podermos seguir adiante como intérpretes. Esse foi o caminho que encontramos. Foram décadas excitantes. Saber que de alguma forma pudemos fazer as pessoas ouvirem a música de autores como Haydn, Mozart ou Bach de uma forma diferente é algo muito especial”, ele explica, referindo-se aos anos 1970, quando iniciou sua trajetória profissional.

A relação com a música, no entanto, é muito mais antiga. “Meus pais diziam que, com 2 ou 3 anos de idade, durante uma viagem ao litoral, uma banda de metais estava tocando perto da água. E eu comecei a dançar, sem parar”, lembra o maestro, hoje com 70 anos. “Eu obviamente não me recordo do fato em si, mas algum tipo de memória intuitiva permanece. Pois basta que eu comece a fazer música para me sentir tocado e realmente vivo. Essa emoção não se desfaz e isso me parece uma sorte.”

A música, ele explica, tem corpo. É vida. “Ao menos foi essa de alguma forma a relação que construí com ela. Por conta disso, o momento em que se está no palco é o momento de exercício da honestidade. Não há espaço para o ego, mas isso não quer dizer que tocar não seja a expressão mais completa do que é um ser humano. Daí talvez venha também a sensação de que a música de autores como Haydn ou Mozart soa aos meus ouvidos como se tivesse sido composta hoje de manhã.”

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Pinnock gravou todas as sinfonias de Mozart. Nos últimos anos, no entanto, tem se dedicado pela primeira vez às óperas do compositor. “Uma revelação”, ele define. “Mozart é essencialmente alguém que compõe para a voz, que pensa o instrumento de forma vocal. Assim, experimentar essa relação em obras vocais é algo importante.” Isso de alguma forma o tem influenciado em suas interpretações mais recentes. E se não for isso, é o desejo, como ele define, “de se aproximar cada vez mais de algumas obras”. “Quando se submete a um dogma, perde-se certo frescor. O novo pelo novo, ditado pelo mercado, é um perigo que ronda o intérprete. É preciso combatê-lo.” Como? “Viajando, de forma pessoal, em direção ao centro de uma obra.” A resposta talvez soe simples – mas esconde diversos mundos a serem descobertos.TREVOR PINNOCK E EMMANUEL PAHUD Sala São Paulo. Pça. Júlio Prestes, s/nº, tel. 3256-0223. 3ª (6/6) e 4ª (7/6), 21 h. R$ 25 / R$ 215

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