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Tom Zé lança CD no dia de seu aniversário de 70 anos

O disco "Danç-Êh-Sá - Dança dos Herdeiros do Sacrifício" terá show de lançamento no Sesc Pinheiros, nos dias 20, 21 e 22

Por Agencia Estado
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Quando tinha 7 anos, em Irará, Bahia, Tom Zé lembra que seu primeiro grande deslumbramento na vida foi ao escutar os cantos das lavadeiras na Fonte da Nação, onde se lavavam as roupas dos conterrâneos e de onde vinha a água potável para as cerca de "três mil almas de Irará". O canto era hipnótico, o burburinho dos aguadeiros, a voz agudíssima das velhas senhoras e o espetáculo colorido das roupas estendidas no gramado - o som e a imagem se espalharam pela cabeça do jovem Tom Zé. Ele até invoca o poeta inglês John Keats (1795-1821) para definir aquele seu maravilhamento original. "A thing of beauty is a joy forever" (Uma coisa bela é uma felicidade para sempre). "É como se eu quisesse repetir aquilo a minha vida inteira, e nunca consigo", lembra hoje o baiano Antônio José Santana Martins, o Tom Zé, nos seus 70 anos (que completa nesta quarta-feira, às 23 horas). "Minha vida toda foi uma descanção Nunca pude fazer uma canção." Suas descanções, entretanto, o tornaram um dos mais originais artistas da música brasileira, e mais um lote delas desembarca nesta quarta-feira nas lojas: "Danç-Êh-Sá - Dança dos Herdeiros do Sacrifício" (lançamento independente Irará Edições Musicais Ltda). O show de lançamento será no Sesc Pinheiros, nos dias 20, 21 e 22. Um álbum com sete canções Seu novo disco é feito de sete canções sem letra: sete "descanções" de Tom Zé que prescindem do verbo e da palavra. "Mas, paradoxalmente, nunca escrevi tanto e falei tanto de política e questões sociais como nesses tartamundeios", emenda o baiano. A mudez das composições, todas baseadas nos três tempos que perpassam a herança musical das nações negras que se instalaram no Brasil - Viver, Sofrer, Revoltar - alude indiretamente à situação da política brasileira. "A política degrada o teor cívico da palavra. O político fala o que quer sobre o que quiser. Diz uma coisa dizendo outra, e implode o significado da palavra. É Hitler falando em democracia." Um trabalho dedicado aos jovens Tom Zé acostumou-se a ver, nos seus shows e na porta de sua casa, pessoas muito jovens buscando sua música e sua influência. Por isso, ficou entristecido quando, em 2005, a MTV divulgou uma pesquisa na qual se mostrava que o jovem brasileiro em sua maioria, tinha se tornado "hedonista, egoísta, descrente em projetos coletivos". "Isso me virava a cabeça, me atormentava. Pensei: canto para os jovens, eles me procuram. Não posso abandonar essa parte da juventude que tomou um caminho inesperado." Por isso, o disco novo de Tom é, principalmente, um panfleto musical que tenta mostrar à juventude, com um discurso sonoro, como foi que se formou a música brasileira que eles ouvem hoje, a partir da saga dos negros e dos índios brasileiros, "cujo sangue depurou a arte e a religião de três Américas". Há ainda um tipo de comentário musical sobre declaração de Chico Buarque ("A canção acabou") e uma entrevista de Julio Medaglia lamentando que o avanço tecnológico não tenha sido vindo com uma revolução estética. Outra motivação teórica expressa por Tom Zé no novo trabalho nasce de um ciclo de palestras chamado "O Silêncio dos Intelectuais", em 2005, o que veio reforçar ainda mais sua tese de mudez verbal. "Era um silêncio que não era mudo, expressava um grito de desespero do intelectual brasileiro, quando as palavras não conseguiam dizer mais nada." Ritmos e sons da luta de negros e índios Na "Dança dos Herdeiros do Sacrifício", Tom Zé explora temas como a Revolta Malê (negros escravos muçulmanos) na Bahia, em 1835; as rebeliões dos quetos, que vieram do Sudão para Olinda (PE); as lutas dos nagôs e dos oiós na Bahia, Maranhão, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul; a revolta dos índios paiás. "Mas eu não ia fazer um disco de folclore, um disco Pai Tomás." No disco, nenhuma palavra, só ritmo e sons do mundo nordestino, espasmos não verbais, gingas onomatopaicas ("Como na língua das crianças" diz ele). Súbito, Tom se lembra de um "deslize" deliberado, uma palavra que escapou: na canção Taka-Tá, surge uma brincadeira concretista com as palavras Cidade e Capacidade em inglês (Capacity, capa-city), na qual Tom Zé faz referência ao poeta Augusto de Campos e seu poema "cidade-city-cité", de 1963. "Sem uma palavra e ainda assim cheio de discursos", diz o artista sobre seu disco. Um espirro vira "Atchim", cantiga rodeada por uma volante de sanfonas, e que se desmilingüe numa banda de coreto no final. Festa de percussão, de beatbox, de música nordestina de nobre procedência, como as canções praieiras de Dorival Caymmi. E Tomezé, tome invenção. Documentário premiado traz turnê de Tom Zé na Europa Para a revista "Rolling Stone", ele é o último herói do pop underground. Tom Zé é uma figura. Faz amanhã (11) 70 anos mas você é capaz de jurar que tem menos. Tom Zé ocupa o centro do documentário de Décio Matos Jr. que leva seu nome e foi exibido na Première Brasil do Festival do Rio 2006. "Fabricando Tom Zé" integrará também, este mês, a Mostra Brasil da Mostra Internacional de Cinema São Paulo. No Rio, ganhou o prêmio do público. Em São Paulo, concorrerá ao Prêmio Petrobras de Difusão Cultural, no valor de R$ 200 mil, destinado ao melhor documentário do evento. "Fabricando Tom Zé" tem como fio condutor a turnê que ele fez pela Europa, em 2005, mas o diretor filma cenas do artista na escola em que estudou, em Irará. No Rio, o próprio Tom Zé disse que o documentário é ótimo, mas ironizou - são tantos, atualmente, os filmes sobre cantores e compositores que, no futuro, algum artista ainda vai se orgulhar de poder dizer que nenhum documentário foi feito sobre ele. "Fabricando Tom Zé" terá fortes concorrentes na Mostra, mas leva jeito de chegar entre os melhores documentários.

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