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Tom Zé faz show da "globarbarização"

O músico faz show único hoje, no Sesc Pompéia, como parte da programação do Prêmio Multicultural 2001 Estadão Cultura, que ele recebeu na noite de ontem no mesmo local

Por Agencia Estado
Atualização:

Mário de Andrade, há bastante tempo, apontou o quão difícil é a classificação das manifestações culturais populares. Os motivos são vários, mas um deles diz respeito à rica combinação, resultante nessa multiplicidade. Nesse momento, na música brasileira que chega até o mercado, um artista veterano personifica esse pensamento (e verdade) sobre a multiplicidade: Tom Zé. O músico e compositor, que recebeu ontem o Prêmio Multicultural 2001 Estadão Cultura na categoria criador, apresenta-se hoje no Sesc Pompéia. Se Jogos de Armar, recente CD lançado pela Trama, traz na essência um desejo de mostrar a sonoridade de instrumentos criados por ele (instromzémentos), hoje, ao tocá-los, Tom Zé expõe a prática (da verdade) sobre essa combinação inclassificável. A cada espetáculo, uma nova operação de multiplicação. "Afinal de contas, tenho 64 anos e grande parte da minha vida passei pensando essas coisas, confrontando opiniões. Vivendo no meio de comunistas e tradicionalistas - a minha família", diz ele, referindo-se ao aprender diário, a cada conversa sobre atualidade, artes (mais especificamente literatura e música) ou sua criação. Conceitos à parte, a prova mais objetiva disso é o novo show, que foi nomeado desta vez de Globarbarização: País sob Ocupação. O título também reafirma a tese, exposta por Tom Zé num de seus artigos publicado na grande imprensa, de que "toda obra de arte é uma miniaturização do real". Além disso, Globarbarização insere mais um fator em toda essa multiplicação de pensamentos: as moléstias da realidade nacional - sobre as quais Tom Zé é implacável, não se cala, está longe de ser ignoto. "A palavra escolha é um verbete que não faz parte da nossa democracia. Jovens são submetidos a essa ausência, a essa esnobação cultural. Nem os invasores têm esses valores, eles não querem isso nem para si. Será que é normal conviver com esse vírus do egoísmo, da violência ostentada?", questiona. "Existem hoje coisas mais dolorosas que a tal da privatização. E agora, poder civil? É muito sério não poder administrar-se." Desde o início de sua carreira, Tom Zé cutuca as feridas socioeconômicas, não faz arte contemplativa nem projeta uma discussão com argumentos falhos. "Quem é dessa terra, com exceção dos migrantes do século passado, é invasor. Mas não me refiro a essa invasão, até porque a humanidade é, desde o seu princípio, feita de bárbaros. Refiro-me à invasão da ideologia do consumo, ostentação e esnobação." Globarbarização é uma das possibilidades dessa combinação de pensamentos, que leva em conta o contexto e, cada dia, legitima a criação de Tom Zé como uma obra viva. Para chegar nela, sem clichês nem catequese política, a multiplicação tem hoje os seguintes fatores (músicas): Globarbarização, Defeito 3: Politicar, A Chegada de Raul Seixas e Lampião no FMI, Moeda Falsa, Passagem de Som, Defeito 2 - Curiosidade, Resposta a Xique-Xique, Medo de Mulher, Desafio e Juventude Javali. "O assunto das canções, das interligações e intermezzos são aspectos do Brasil de 2001, um país sob ocupação, dependente. Onde somos tratados como despojos de guerra, divididos entre invasores que disputam cada fatia de cada tostão. Morremos culturalmente de fome, como Tântalo, à beira da cumbuca de comida mais rica do mundo, que é nosso folclore, prato forte, além das muitas terrinas e possibilidades de nossa arte - a popular e a outra", descreve ele. Na banda, tocando instrumentos e instromzémentos: Lauro Lellis (bateria), Jarbas Mariz (viola 12 cordas), Sérgio Caetano (guitarra), o contrabaixista Gilberto Assis (que é seu parceiro na composição da trilha musical do Grupo Corpo), Cristina Carneiro (teclados) e Miriam Cápua (percussão). Laura Andreato e João Rodrigues dançam as coreografias de algumas canções, como Chamegá. Sobre a combinação da multiplicação de hoje, a tentativa de rotulagem é, nesse caso, incabível. Resta, a quem noticia, a missão de relatar. Mas como fragmentar o pensamento de Tom Zé (para que caiba nessas linhas, sem o auxílio de um gravador que funcione)? Não que isso seja obrigação, mas fica aberta essa responsabilidade, a ser compartilhada com grande prazer. Tom Zé. Hoje, às 21 horas. De R$ 7,50 a R$ 15,00. Teatro do Sesc Pompéia. Rua Clélia, 93, tel. (11) 3871-7700.

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