Tesouros da RCA-Victor vão sair em CD

Gravações de Cartola, Jamelão, João Donato, Tom Jobim e Tamba Trio ganham formato digital para festejar o centenário da gravadora

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Por Agencia Estado
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Já faz cem anos que o cachorrinho Nipper ouve, atento, a música que sai do gramofone. A imagem - que ilustra os discos da RCA Victor desde os primeiros lançamentos, no início do século 20, até hoje - é, talvez, o símbolo mais conhecido de toda a indústria fonográfica mundial. Nem mesmo o autor da idéia, o pintor Francis Barreul, poderia prever que a imagem de Nipper se tornaria célebre, assim como o slogan "A voz do dono" - alusão à fidelidade da reprodução sonora dos discos da RCA-Victor. Incorporada à BMG desde os anos 80, a RCA Victor mantém sob sua guarda parte importante da memória musical brasileira. A boa notícia é que alguns desses registros marcantes serão lançados em CD para comemorar os 100 anos de existência da gravadora. A gravação do show Luiz Gonzaga Volta Para Curtir foi o primeiro lançamento da série. Em seguida, virão jóias como o álbum The New Sound Of Brazil, de João Donato, e Cartola - 70 anos (confira relação de álbuns). Fundadas em 1901 por Eldridge Johnson, as precursoras da RCA Victor - a Victor Talking Machine e a Victor Records - sempre tiveram por objetivo se colocar na dianteira tecnológica do mercado de gravação e reprodução de discos. As atividades do grupo incluíam, ainda, a fabricação de vitrolas e, posteriormente, a produção de transmissores e receptores de alto padrão que colaboraram para a disseminação global do rádio. Discos mais baratos - Uma das importantes inovações da RCA Victor foi o desenvolvimento do sistema elétrico de gravação, em meados da década de 20 - quando o público passou a ter acesso a discos mais baratos e de qualidade muito superior dos que eram feitos por gravações mecânicas. A inovação provocou a popularização dos discos e a profissionalização dos artistas, que não ganhavam o suficiente para dedicar-se somente à música. A RCA Victor chegou ao Brasil em 1928, mas iniciou suas atividades, em novembro do ano seguinte. Para concorrer com a Odeon, dona do mercado nacional da época, a RCA Victor reuniu um elenco de primeira grandeza, encabeçado por revelações como Sílvio Caldas e Carmen Miranda. Também foi a primeira gravadora a contratar arranjadores de peso, como o já consagrado Pixinguinha e o emergente pianista Radamés Gnatalli, em 1930, para dar mais qualidade musical aos seus lançamentos. Em 1934, a RCA Victor já equilibrava forças com a Odeon na lista dos maiores sucessos do ano. Apresentava O Orvalho Vem Caindo, na voz de Almirante, Agora É Cinza, interpretada por Mário Reis, e Alô, Alô, gravação deste último ao lado de Carmen Miranda. Em contrapartida, a Odeon trazia Aurora Miranda e André Filho, com a clássica Cidade Maravilhosa, e o Rei da Voz, Francisco Alves, com O Correio Já Chegou. No fim dos anos 30, quando já havia consolidado definitivamente sua atividade no Brasil, a RCA Victor lançou mais duas vozes que fariam história na MPB: Aracy de Almeida e Cyro Monteiro. E no início dos anos 40 chegaram à RCA os dois artistas que mais marcaram a história da empresa: Nelson Gonçalves e Luiz Gonzaga. Ambos permaneceram na gravadora por quase todo o percurso de suas carreiras e, coincidentemente, passaram por sérias dificuldades para conseguir sucesso. Golpe do Gonzagão - Nelson, por exemplo, conseguiu sua primeira gravação depois de ficar dois anos desempregado no Rio de Janeiro, dormindo ao relento e tentando a sorte em programas de calouros (foi reprovado várias vezes por Ary Barroso, que chegou a sugerir a ele que voltasse para São Paulo e retomasse sua antiga profissão de boxeur). Gonzagão, por sua vez, passou uma temporada tocando sua sanfona na zona de meretrício carioca. Ele chegou à RCA Victor em 1941, gravando como solista, mas a sua voz só foi conhecida pelo público em 1945, depois que ele aplicou um pequeno golpe na diretoria da gravadora. Ele chegou com uma mentirinha, dizendo que havia sido convidado para cantar na concorrente Odeon usando um pseudônimo, assim ficaria como sanfoneiro de uma e cantor da outra. O truque deu certo: Luiz Gonzaga gravou Dança Mariquinha e, seis anos depois, foi coroado como O Rei do Baião. O crítico musical Egídio Grandinette Jr., que acompanhou de perto os últimos 50 anos da RCA Victor, relembra dos finais de tarde em que ia encontrar o pessoal da gravadora nos botecos próximos à sua sede, na Rua Visconde da Gávea, no Rio de Janeiro. "Cansei de tomar cerveja e comer sardinha frita com Nélson Gonçalves, Luiz Gonzaga, Adelino Moreira, Custódio Mesquita e com o maestro Zacarias". Segundo Egídio, a gravadora era como "uma família" nesses áureos tempos. Ele conta que todos esses artistas eram pessoas simples, sem estrelismos, e que até a concorrência entre as gravadoras era mais amistosa e transparente. A questão do famoso "jabá" - recompensa financeira dada a difusores musicais para que estes privilegiem determinados artistas - é, segundo Egídio, um dos grandes entraves para que a música brasileira volte a ter qualidade semelhante à da que vigorou até os anos 70. "Hoje, se faz qualquer sucesso em um dia! É uma verdadeira máfia, que envolve marqueteiros, assessorias de imprensa, rádios etc." Mas a pirataria eletrônica, afirma Egídio, deverá deixar de ser uma preocupação em breve: "As grandes gravadoras - BMG, Universal, Sony e EMI - já estão se unindo para regulamentar o download de músicas pela Internet". Nos seus 73 anos de trabalho no Brasil, a RCA Victor reuniu um acervo de valor incalculável. Entre os nomes que debutaram em disco na gravadora depois dos revelados na chamada Era de Ouro da música brasileira (anos 30 e 40) estão Maria Bethânia, Martinho da Vila, João Bosco e Lobão.

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