Steve Vai: 'Guitarristas precisam parar de acreditar que um é melhor do que o outro'

Atração de hoje no Digital Music Experience, um dos maiores instrumentistas da história da guitarra fala com exclusividade ao Estado sobre a técnica que acaba de criar

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Por Julio Maria
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Steve Vai, 60 anos, um dos maiores guitarristas do mundo, vai falar aos brasileiros nesta quarta (9), entre 19h10 e 20h10. Ele é um dos convidados do ciclo Digital Music Experience, o DMX, criado pelo produtor Marco Mazzola – uma série de palestras, wokshops e shows que segue até sexta (11), com nomes que vão de Hermeto Pascoal e Jaques Morelenbaum ao baterista do Sepultura Eloy Casagrande e o guitarrista dos Mutantes, Sérgio Dias (veja programação no final do texto). Serão ainda sorteadas duas bolsas de estudo para a Universidade Estácio.

Em show de 2007 Foto: J.F.DIORIO/ESTADÃO

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Steve irá falar mais do que tocar, embora fique com a guitarra no colo para eventuais canjas. Vê-lo contar suas histórias de vida pode ser uma chance muito mais rara do que vê-lo sobre um palco o tempo todo, algo que aconteceu por 22 vezes no Brasil. A última delas foi em 2019, justamente na primeira edição de outro evento produzido por Mazzola, o Rio Montreux Jazz Festival

Seu público é formado por fãs mais velhos das fases seminais dos anos 80 e outras frentes que parecem rejuvenescidas a cada cinco anos. Jovens amantes de uma das expressões instrumentais mais impressionantes do universo dos guitarristas por algumas razões: Steve tem uma musicalidade de precisão extrema que não se prende a gêneros específicos. Seus improvisos são sempre uma coleção de surpresas, como se ele tirasse coelhos da cartola a cada compasso – uma lição certamente aprendida com Frank Zappa, com quem tocou entre 1980 e 1982, e com Jeff Beck, uma de suas maiores influências.

A alma de Steve não existiria sem a técnica. Sua velocidade atinge picos que parecem desafiar as possibilidades humanas. Joe Satriani, animal da mesma espécie, uma lenda em vida, o guitarrista que mais vendeu discos no mundo (algo como 10 milhões), foi o primeiro professor de guitarra de Vai. “Um amigo meu é seu aluno. Você pode me ensinar a tocar também?”, disse ele ao chegar à casa de Satriani, em 1976. Duas aulas depois, e essa foi a impressão do professor: “Caramba, este cara deve ter um par de músculos extras ou alguns tendões a mais nas mãos.”

Steve Vai fala ao Estadão. Ele explica sobre a técnica que criou este ano com a música Candle Power (um ‘bend coletivo’ de contundir mesmo os dedos dos iniciados), do disco que está criando, das lições que aprendeu com Zappa e Satriani, de sua guitarra de oito cordas (o normal são seis) e da possível finitude da criatividade. E também responder sobre os ataques de quem o acusa tocar com excesso de notas e de colocar a técnica à frente da emoção. “É importante para um artista seguir seus desejos. Para mim, havia o desejo de jogar rápido, ter um controle completo e deslumbrante sobre o instrumento.”

Você gravou Candle Power neste ano para mostrar ao mundo uma nova técnica que criou, usando vários bends ao mesmo tempo (bend é quando o guitarrista fricciona suavemente uma corda no braço do instrumento para cima ou para baixo. Os bluesmen dizem que é dele que saem as lágrimas de uma guitarra). De BB King a Candle Power, qual a força de um ‘bend’ para você?

Uma das melhores coisas que podemos fazer com uma guitarra, que só a guitarra faz, é esse jeito de dobrar as notas de forma tão flexível no braço do instrumento. Ao ouvi-las mesmo que sutilmente, sentimos o impacto. Portanto, a sensação que eu tenho ao usar a técnica do ‘joint shifting’ (várias cordas sendo impulsionadas suavemente ao mesmo tempo), é a mesma de andar de montanha-russa em um oceano.

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Você parece ter criado Candle Power com influências dos guitarristas de country music. Na verdade, não. Eu nunca me envolvi em tocar guitarra no estilo country. Gosto de ouvir grandes músicos country, mas Candle Power foi mais uma visão que tive para interpretar uma determinada forma, uma frase, sem ter nenhum estilo particular como base.

Você certamente vai falar a muitos estudantes de música no Brasil que vão participar do DMX. Uma discussão que sempre retorna é o quanto deve-se estudar e o quanto deve-se tocar por intuição. Há muitos músicos renomados que defendem uma carga de estudo menor. O que acha mais importante? Estudar horas a fio ou começar a tocar logo em uma banda de rock? A resposta é diferente para cada pessoa, e o que é melhor para um pode não ser para outro. O aluno precisa estar em contato com suas intenções, saber o que de fato gostaria de fazer no mundo. Todos têm um impulso instintivo para seguir sua aventura. Para mim, as duas coisas foram importantes: estudar em casa e tocar em uma banda de rock. Eu estudava e praticava em casa e então tocava e colocava tudo à prova. Uma pessoa só precisa decidir o que é melhor para ela e seguir em frente.

Steve Vai no Brasil, em 2015 Foto: FABIO MOTTA/ESTADÃO

Depois de tantas experiencias com timbres e efeitos diferentes, você já descobriu o que realmente importa para as pessoas? A harmonia? O ritmo? Os efeitos? A velocidade? Ou a melodia? O que mais emociona as pessoas é a conexão que o artista tem com elas e com o instrumento. A plateia sempre responde a um intérprete confiante, não importa o que ele esteja fazendo. Mas, no final das contas, o ingrediente que dá a uma música maior ou menor longevidade é a profundidade da harmonia e da melodia.

Falando em velocidade, o quanto esse ponto importa realmente para você? Guitarristas que não gostam de seu estilo dizem que podem trazer a mesma emoção que você traz em mil notas tocando apenas uma. É importante para um artista seguir os seus desejos. Para mim, havia o desejo de tocar rápido, ter um controle completo do instrumento para deixar as pessoas sem fôlego com meu desempenho. Esse era o meu objetivo. Eu o alcancei e adoro isso, é o que sempre desejei. Sempre quis poder tocar guitarra de uma forma que traduzisse a liberdade mais pura do instrumento. Gosto de tocar rápido, mas ser capaz de tocar rápido não faz de você necessariamente um grande músico, não o torna um bom intérprete nem um bom compositor eficaz. Mas também não significa que se você tocar devagar, você será competente em todas essas coisas. Eu conheço muitos guitarristas lentos que não são bons, escrevem músicas das quais eu não gosto e basicamente não têm identidade. Ao mesmo tempo, conheci alguns que tocam muito devagar e conseguem fazer uma música muito poderosa. Os guitarristas precisam parar de acreditar que um é melhor do que o outro. O melhor é aquilo que é certo para você.

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O que você aprendeu com Frank Zappa e com Joe Satriani, dois músicos de linguagens tão distintas? Com Joe Satriani aprendi que tudo o que você toca deve soar música. Com Frank Zappa, aprendi o real significa da independência artística.

Você ainda tem planos de gravar três álbuns? Você disse que faria isso de formas diferentes, tocando em um com a guitarra limpa, em outro com os efeitos que mais usa e em um terceiro com uma guitarra pesadíssima, de oito cordas (as guitarras têm seis cordas). Essa informação foi baseada em um projeto que pensei em fazer há alguns anos, mas mudou. Em vez disso, no momento estou trabalhando em um disco acústico / vocal solo. É tudo muito simples, sem nenhum virtuosismo de guitarra. As músicas são baseadas em um tipo particular de DNA melódico que eu tenho também. Então, eu gostaria de trabalhar em um disco que basicamente tem o conceito de três registros instrumentais que você citou.

 Como evitar se tornar um refém de seus próprios solos de guitarra? É muito comum ouvirmos padrões de solo repetidos por guitarristas de blues, por exemplo. Se um guitarrista gosta de seu estilo e se pega repetindo muito, tudo bem. Eu sempre ficava animado quando fazia uma pequena descoberta para mim mesmo na guitarra. Isso é o que eu mais amo e, ao longo dos anos, desenvolvi várias maneiras de encontrar essas coisas dentro de mim. Às vezes eu crio limitações no meu espaço usando, por exemplo, apenas uma corda e um dedo para solar. Isso me leva a fazer coisas que eu não faria normalmente. Ideias e melodias interessantes podem surgir disso. Eu também posso fazer coisas como solar usando apenas as cordas E (mi), G (sol) e A (lá). Ou criar uma frase em minha cabeça e tocá-la na guitarra. Existem muitas maneiras de um guitarrista, ou qualquer músico, extrair ideias incomuns de seu instrumentos.

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 O tempo passou e você está com 60 anos. A criatividade é um recurso finito? Não, a criatividade não é um recurso finito. Copiar os outros é. Eu acredito que a criatividade está no centro do nosso ser e que ela dura mais do que o ato de respirar. Existem problemas que podem surgir em nossas vidas quando não estamos expressando nossa verdadeira e única liberdade criativa. Quando eu era mais jovem, eu não conseguia me imaginar com 60 anos ainda como um homem criativo, mas ainda me sinto cheio de ideias que quero mostrar. O que começou a desaparecer foi a necessidade de estar no controle de coisas que realmente não tenho controle. Descobri que gosto muito de ter 60 anos. É estranho! Eu me sinto melhor agora do que nunca e ainda mais criativo, embora goste de me mover um pouco mais devagar.

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Qual é o melhor solo de guitarra que você já ouviu? Hmmm, bem ... meus solos de guitarra favoritos mudaram ao longo dos anos. O primeiro que ouvi e que realmente me pegou foi Heartbreaker, de Jimmy Page. Eu tinha 12 anos e quando o escutei, decidi tocar guitarra. Houve outros que tiveram impactos profundos em mim, como o de Carlos Santana para Europe, Frank Zappa em Inca Roads e Jimi Hendrix em Machine Gun.

Algum músico brasileiro com quem gostaria de gravar? Eu absolutamente amo música brasileira. Na verdade, durante o verão, depois do jantar, minha esposa e eu nos sentamos sob as árvores e ouvimos música brasileira. Eu ficaria feliz em trabalhar com qualquer artista brasileiro autêntico para fazermos uma fusão do rock norte-americano sobre aqueles grooves contagiantes dos brasileiros. Seria como dar uma festa para Chico Buarque na casa de Jimi Hendrix. 

O DMX  vai sortear duas bolsas de estudo para a Universidade Estácio. A programação completa que começa hoje é gratuita e será exibida nos endereços virtuais do evento (veja abaixo)

DMX Talk09 de dezembro - Quarta-feira17h às 18h - DMX TalkOs desafios de uma orquestra jovem brasileiraOrquestra Maré do Amanhã O maestro Carlos Eduardo Prazeres fala junto com um músico e uma musicista do projeto sobre os desafios da Orquestra, que completa 10 anos e reúne cerca de 300 jovens de áreas carentes do Rio de Janeiro. Na pauta, o poder transformador da música na vida desses jovens e de toda a comunidade onde vivem.18h05 às 19h05 - DMX TalkSérgio Dias - Um ser mutanteParticipação especial: Frejat Sérgio Dias foi o guitar hero do rock'n'roll brasileiro das décadas de 60 e 70. Junto com os Mutantes e a Tropicália, mudou a forma de fazer música no Brasil. O mesmo pode-se falar de Roberto Frejat com o Barão Vermelho, na década de 80. Nesse encontro, Frejat presta uma homenagem ao grande mestre Sérgio Dias em um bate-papo com muitas histórias sobre a carreira nacional e internacional de Sérgio Dias, nosso eterno mutante.19h10 às 20h10 - Meet ExperienceGuitar Hero: Steve Vai Considerado um dos 100 maiores guitarristas do mundo, Steve Vai acumula centenas de títulos e prêmios pelo mundo. O guitarrista participará, pela primeira vez, de um encontro virtual com os fãs do Brasil com exclusividade na DMX.20h15 às 21h15 - WorkshopA personalidade da bateria no heavy metalEloy Casagrande Baterista da banda brasileira com maior projeção internacional, o Sepultura, o jovem Eloy Casagrande é cultuado no mundo como um dos mais virtuosos e técnicos instrumentistas do rock mundial. Eloy explicará suas principais técnicas em uma viagem pela sua carreira com um workshop virtual exclusivo.10 de dezembro - Quinta-feira17h às 18h - Meet ExperienceA Versatilidade de Taryn: Do jazz a Disney Diretora artística da Rio Jazz Orquestra, Taryn é filha de Marcos Szpilman, um dos fundadores da tradicional big band. No meio do caminho, encontrou não só uma alma que ama o jazz, mas também um dos mais gratificantes trabalhos da sua vida: a dublagem e as interpretações musicais das grandes divas da animação e da música brasileira. Hoje, é uma das mais importantes vozes da Disney em português, como protagonista da super premiada animação musical "Frozen", na qual é a voz da personagem "Elsa".18h05 às 19h05 - Meet ExperienceChacal do Sax - Talento e perseverança Um menino que cresceu em um colégio interno e, lá conheceu uma paixão que mudaria sua vida: o saxofone. Esse é o resumo da vida de Jonathan Fernandes Vieira, de 36 anos, conhecido como Chacal do Sax. Cria da comunidade Barro Vermelho, no Complexo do Lins, o artista, também é compositor. Atualmente, Jonathan vive de música e vai levar seu som e sua verdade para o palco da DMX onde vai falar sobre sua trajetória e desafios.19h10 às 20h10 - DMX TalkA alquimia de Hermeto Pascoal - A trajetória de vida contada pelo próprio bruxoMediação: Fabiane Pereira A maior referência da música instrumental brasileira. Aos 84 anos, o "Mago" continua criando, compondo e fazendo turnês mundiais. Dessa vez, a DMX vai até sua casa para uma entrevista exclusiva quando o grande gênio que contará curiosidades e falará sobre os momentos mais desafiadores da sua vida.20h15 às 21h15 - WorkshopJaques Morelenbaum - Música é meu segundo nome Violoncelista, maestro, compositor, arranjador e produtor, Jaques Morelenbaum está presente na carreira de grandes nomes da música brasileira e internacional, seja como arranjador e parceiro musical de nomes como Tom Jobim, Caetano Veloso, Ivan Lins, Skank, Chico Buarque, Milton Nascimento entre outros. Foi o violoncelista de Sting em DVDs, além de tocar com o Cello Samba Trio. O artista vai ministrar um Workshop imperdível sobre violoncelo.11 de dezembro - Sexta-feira17h às 18h - DMX TalkRenato Borghetti - Voando alto e levando suas raízesParticipação especial: Kledir Renato Borghetti é um artista com uma sólida carreira mundial. Esse caminho começou em 1984, quando o seu disco "Gaita Ponto" recebeu o primeiro disco de ouro de música instrumental do país. De lá para cá, Borghetti e a sua inseparável gaita-ponto vem trazendo ao mundo a qualidade e o sentimento da melhor música feita nos pampas gaúchos. Esse bate-papo é uma homenagem ao artista e conta com mediação de Kledir, que junto com seu irmão Kleiton forma uma dupla respeitada e apreciada em todo o Brasil.18h05 às 19h05 - Meet ExperienceJonathan Ferr - Conecte-se com o futuro. O futuro é você. Pianista e compositor, ganhava bem a vida acompanhando outros artistas até que em uma determinada manhã se viu como um "músico de aluguel". Pela vontade de viver do jazz, Jonathan mudou. Passou a estudar para entender o que estava acontecendo no mercado e buscar o seu lugar na música instrumental mundial. O músico, símbolo de superação e empreendedorismo, fala sobre sua carreira e o mercado da música, inspirando novos e futuros artistas.19h10 às 20h10 - Meet ExperienceOs benefícios da música e o cérebro humano por Roberta Bento e Taís Bento A especialista em Aprendizagem Baseada no Funcionamento do Cérebro pela Universidade da Califórnia e Duke University, Roberta Bento, vai falar sobre influências e benefícios da música nas mais diversas situações da vida e dos negócios. Roberta teve uma paralisia cerebral no momento do nascimento e a dificuldade de aprendizagem foi uma das sequelas previstas, dentre outros desafios que teria que enfrentar. Os anos se passaram e a neurociência trouxe uma descoberta que explica como aquela criança tão frágil conseguiu se tornar uma educadora reconhecida internacionalmente.20h15 às 21h15 - WorkshopClaudio Dauelsberg - uma nova visão do pianoConvidado: PianOrquestra Consagrado pianista, idealizador e diretor artístico do grupo PianOrquestra - 10 mãos e 1 piano - Claudio Dauelsberg apresenta um workshop sobre a história do piano, desde sua criaçao até os dias de hoje. Claudio convida o grupo que demosnstra, na prática, a técnica do piano preparado. Com luvas baquetas, palhetas de violão, fios de náilon, peças de metal, madeira, tecido e plástico, eles exploram as infinitas possibilidades de timbres e sonoridades transformando o piano em sua própria orquestra.Responsabilidade social em tempos de pandemia: Ação Social pela Música do Brasil A DMX esse ano vai acolher a Associação Social pela Música no Brasil - ASMB, uma organização não governamental, sem fins lucrativos, que, em sua vertente socioeducacional, visa a inclusão social e a formação da cidadania, através do ensino coletivo da música clássica, para crianças, adolescentes e jovens moradores de comunidades em situação de vulnerabilidade social. A ação promove, há mais de 23 anos, a formação de orquestras jovens de música clássica em todo o território nacional, como a Orquestra Jovem do Brasil e a orquestra Mercosul. Durante os três dias de evento, um QR Code será exibido ao longo da transmissão para que o público possa contribuir com as ações da ASMB.ServiçoDMX 2020 - Digital Music ExperienceData: de 9 a 11 de dezembroEvento gratuito

Endereços:www.dmx.art.brhttps://www.facebook.com/DMXBrasil/https://www.instagram.com/dmxbrasil/https://twitter.com/dmxbrasilhttps://www.youtube.com/channel/UCYUA-IIGQz5s80jPnSoZCZA

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