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Stanley Jordan rompe os padrões do gênero ao se libertar da imagem clássica dos grandes jazzistas

Batinhas, brincos, tiaras, vestidos. O que há por trás da fase desbundada de Stanley Jordan

Por Jotabê Medeiros
Atualização:

Em vez da costumeira camisa abotoada até o pescoço e cabelo de milico, ele agora usa tiaras, batinhas, um alisamento japonês no cabelo, rabo de cavalo, alguma maquiagem, colares, brincos. Teria Stanley Jordan, magistral guitarrista de jazz do pós-fusion, aos 53 anos, desbundado de vez? Sim, ele confessa.

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“Eu era conservador demais. Não era eu mesmo. Tentava projetar em mim aquilo que achava que eram as expectativas das pessoas. Agora estou apenas tentando ser o mais autêntico possível. Isso teve um impacto positivo na minha música, há menos barreiras, tudo ficou mais fácil”, diz o guitarrista, em entrevista ao Estado.

Em turnê com o disco novo, Friends, ele se apresentou no Bourbon Street Music Club na terça-feira, tocando Clube da Esquina 2, de Milton Nascimento, e Autumn Leaves, de Johnny Mercer. Depois, voou para Goiânia. Sua mudança de expectativa em relação à própria inserção no mundo do jazz é ampla e irrestrita. No repertório, por exemplo, há sinais disso: ele gravou uma versão estupenda de I Kissed a Girl, de Katy Perry, hit recente que se tornou bandeira para a afirmação do homossexualismo feminino.

“A primeira coisa que me atraiu nessa canção foi o conceito. A declaração da música é: ‘Eu, uma garota, beijei uma outra garota e gostei’. Fala de um sentimento no limite, e isso ajuda as pessoas a se tornarem mais tolerantes em relação à diferença. A aceitarem que há outra sexualidade alternativa que também é legítima. É um manifesto de humanidade”, disse o guitarrista.

Stanley Jordan diz que é um pouco filho daquele instante em que Miles Davis criou o jazz fusion, com discos como Bitches Brew. “Na Wikipédia, me definem como guitarrista fusion. Não sei exatamente o que quer dizer, mas entendo. Eu gosto daquela ideia de jazz rock que se tornou popular após Bitches Brew, mas não de toda a ideia. Quando eu faço a fusão de dois gêneros, procuro misturar as suas propriedades. Por isso, acho que se trata mais de uma integração do que uma fusão. Integração é juntar as coisas e criar algo à frente”, considera o músico.

“Eu sempre gostei de diferentes tipos de coisas. Quando comecei a tocar, me diziam que eu tinha de fazer uma escolha. Mas eu permaneci fiel à ideia de que tudo era relevante. Quando gravei pela primeira vez, disseram que, se eu era capaz de tocar jazz, não podia tocar rock ou pop. Ainda assim, gravei rock e pop e enfrentei todo tipo de crítica ao longo da vida. ‘Você só pode estar fazendo isso pelo dinheiro, porque sabe tocar jazz e está tocando rock’, diziam. Hoje em dia, a ideia não é mais estranha, mas sempre foi natural para mim. E só muito recentemente me dei conta de que era incomum para muita gente. Não quero provar nada quando toco uma música pop, apenas as toco como se fossem standards”, diz ele.

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Com 26 anos de carreira e meia dúzia de indicações para o Grammy, professor de música em universidades, Stanley Jordan teve de interromper, por conta de suas sucessivas turnês, o mestrado que estava cursando no Arizona, onde vive. O tema é terapia musical, o tratamento de enfermidades por meio da música. “Muitos procuram pela cura física, mas eu penso que é um lance mais psicológico. A música tem um efeito no corpo. Por exemplo: cantar pode ser bom para a respiração, ajuda quem tem asma, por exemplo. E há um forte componente emocional na origem da asma. Portanto, desenvolver um hábito como o canto pode ajudar, não só no aspecto físico, mas no encorajamento. Há muitos níveis. Uma pessoa com câncer, por exemplo: se ela tem uma compreensão positiva de seu estado, pode resistir e vencer a doença. Há evidências disso. Mas, se deixar-se cair em depressão, as chances diminuem”, avalia.

Fã de Milton Nascimento, de moqueca e guaraná, Stanley Jordan considera que, se tivesse nascido no Brasil, seria exatamente o mesmo. “Sinto uma forte afinidade com seu país. Mas também acho que Estados Unidos e Brasil são muito diferentes. Têm a mesma criatividade, mas no Brasil, o processo de mistura é mais natural. Nos Estados Unidos, nos preocupamos muito com categorias, compartimentos. Sempre que venho aqui, quando eu volto ao meu país eu digo às pessoas: não temam a complexidade, encarem com tranquilidade. Adoro o jeito como vocês têm aqui o senso da celebração, que torna tudo mais fácil.”

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