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Somos todos bregas

Crônica publicada originalmente no caderno Variedades do Jornal da Tarde de de 21/10/2007

Por Diogo Salles e cartunista do JT diogo.salles@grupoestado.com.br
Atualização:

Na crônica de domingo passado, o Júlio Maria, nosso editor de Variedades, respirou fundo, tomou coragem e conduziu a dupla Zezé Di Camargo e Luciano ao Olimpo. Não sabemos como esta crônica foi recebida por você, leitor. Mas aqui na redação causou uma bem humorada polêmica. Como fui a primeira pessoa a ler (eu iria ilustrar a crônica), reagi com perplexidade. Como alguém pode gostar de Zezé Di Camargo e Luciano? De qualquer forma isso já poderia ser um prenúncio de como seria a reação geral.

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Resolvi fazer a caricatura do Júlio para acompanhar o texto, não com a intenção de sacaneá-lo, como poderiam imaginar alguns, mas sim por acreditar que esta era a melhor maneira de ilustrar um texto tão confessional. E a confusão estava apenas começando. Foi preciso muito mais do que coragem para encarar a inevitável galhofa que veio depois. Em plena redação, Júlio foi sabatinado pela gargalhada geral, mas não se fez de rogado. Encarnando o advogado de si mesmo, vociferou a breguice nossa de cada dia. Não demorou muito e as máscaras começaram a cair, uma a uma, até a redação virar um confessionário demodê. Um evocou Reginaldo Rossi. Outro, o Elton John. Eu já esperava a minha vez, mas nem precisei me manifestar. O Júlio me apontou e acusou 'Você, que é roqueiro, gosta de Whitesnake'. Nem discordei. Gosto mesmo.

Quando rebobinei a fita que me levou de volta aos anos 80, percebi que ele tinha razão. Nessa época, quem tinha cabelo de Tina Turner e usava ternos Miami Vice estava ‘numa nice’. O new wave revelou um tsunami de tons ‘rosa shocking’ e verde-limão que inundou os anos 80 e fez dessa década a bíblia do mau gosto. A saturação da cafonice tinha começado no final da década anterior, com a disco, e ali atingia o seu apogeu. Naquele sarau de cabelos hediondos e roupas flamejantes, a música que se fazia naquele entonces me fez recordar a fórmula para o estrelato no populismo do rock de arena. Bastava juntar riffs homicidas e solos pirotécnicos de um guitarrista virtuose com as caras e bocas e refrões pegajosos de um vocalista minimamente carismático. Misturado isso em um videoclipe, bastava inseri-lo no liquidificador da MTV. Pronto. Você já podia surfar no maremoto de braceletes e lantejoulas. Bem vindo ao mainstream oitentista.

Mas eu falava do Whitesnake, que, ao lado de bandas como Mötley Crue, Bon Jovi e Def Leppard, ajudou a moldar o glam rock. Dirá alguém que o Whitesnake teve em sua formação Steve Vai, um dos maiores guitarristas que o planeta já viu (depois de Hendrix, obviamente). Sim, é verdade, mas o guitar hero também se esbaldou nessa enorme festa yuppie. E David Coverdale foi muito além disso. Às favas com o talento, o vocalista resolveu encarnar o papel de deus do ‘metal farofa’ e se afogou em rios de laquê e em roupas de couro.

Sim, Julio. Você estava certo. Somos todos bregas. Mas faço aqui uma ressalva. Embora os sertanejos - com os seus mullets furiosos e calças ‘santropeito’ - ostentem uma breguice respeitável, a música ainda consegue ser pior. Não estou falando do Sérgio Reis e do Almir Sater. Este sertanejo raiz nós respeitamos. Falo do sertanejo pop das duplas, como Zezé Di Camargo e Luciano. Quem é que agüenta os uivos esquizofrênicos de gralhas e hienas neste zoológico caipira? A música sertaneja é de uma mediocridade cristalina, de um mau gosto singular. O que leva uma pessoa a gostar dessas músicas? Seria a manifestação máxima do orgulho jeca? De qualquer maneira, o leitor já deve ter percebido que quem ouve rock, jazz e blues, torna-se obtuso demais para compreender tal fenômeno.

Quanto a nós, roqueiros, bem... aqui vai o punchline que vai nocautear essa discussão de uma vez por todas: nóis é brega, mas nóis é Bão. 

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