Som Imaginário abre festival no Copacabana Palace, no Rio

Antológico grupo formado por Wagner Tiso faz show em evento que homenageia também o maestro Érlon Chaves

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Por Julio Maria
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Por um instante, houve um momento em algum dia de 1969 em que um portal se abriu. Sugou todos os homens que estavam na sala e os levou a uma dimensão na qual não havia separações de gênero nem de cor. O jazz e o rock-n’-roll soavam tão irmãos e complementares quanto a música sinfônica e o samba. O instrumental virava vocal quando lhe desse na telha, e nada vinha com nome. Era tudo música. Os cinco cavalheiros que ficaram lá por alguns minutos voltaram descabelados, como se cuspidos do outro universo, e se puseram a tocar algo que o mundo ouviria só com eles. Nem antes nem depois do Som Imaginário, uma viagem de um grupo brasileiro se provaria tão fantástica.

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Quarenta anos depois de lançar seu último disco, Matança do Porco, o Som Imaginário reativa a carreira. Fez até agora shows esporádicos, mas a reação da plateia e novos convites levaram seu líder, o pianista Wagner Tiso, a decidir a, além de fazer shows cada vez mais frequentes, gravar um disco com temas inéditos e outros escolhidos de seus três álbuns lançados no início dos anos 70 (Som Imaginário, de 1970, Nova Estrela, de 1971, e Matança do Porco, de 1973). “Pensei que seríamos vistos apenas pelas pessoas de nossa geração. Quando vimos, eles estavam lá, muitos chorando, mas havia também jovens. Deve ser a internet”, Tiso tenta uma explicação. A próxima apresentação será na noite de hoje, quando abre-se um outro portal chamado Copacabana Palace.

O Copa Fest, um festival que o hotel realiza há seis anos, inicia sua edição de 2013 com Tiso e seu Som Imaginário. Seus shows principais acontecem em um salão de festas de 90 anos de idade. As outras noites não serão menores. Amanhã, Tomás Improta homenageia Dorival Caymmi e o trombonista Raul de Souza traz seu quinteto. O sábado fecha a temporada com Max de Castro lembrando o arranjador e compositor Érlon Chaves, um dos maiores ilustres ainda desconhecidos da música brasileira negra dos anos 70.

O Som Imaginário poderia estar em qualquer contexto. Se o festival é para homenagear os velhos, vale pelo peso que teve na formação da identidade de Milton Nascimento – foi para acompanhá-lo que o grupo foi formado. Aliás, foi do show Milton Nascimento, Ah, e o Som Imaginário, de 1969, que o nome surgiu. Se for para apontar para algum lugar do futuro, também vale. O Som é daqueles grupos que saltaram tão longe que a música de hoje ainda não os alcançou. “Fazíamos algo como um jazz sinfônico rock ou um rock sinfônico jazz. A ordem não altera. Só pensávamos em música”, lembra Tiso.

A formação de hoje traz três nomes do grupo original. Além de Tiso, o baterista Robertinho Silva e o guitarrista Tavito. Os outros que se uniram passaram, por algum momento, pelas muitas escalações que marcaram o grupo: Nivaldo Ornelas no sax e flauta, Luiz Alves no baixo e Victor Biglione na guitarra.

A imprensa da época respeitava o jazz progressivo do grupo, mesmo porque ele vinha abençoado por Milton Nascimento, que já era grande. Seus temas saíam, sobretudo nos dois primeiros discos, mais pensos para o lado do rock. O grupo começou a sofrer uma ruptura entre membros com o pé no rock, como o cantor Zé Rodrix e outros que queriam mais o jazz. Em certo momento, Tiso resolveu o problema decretando: “Daqui pra frente, só vamos fazer música instrumental”.

Amigo de Milton desde a saída dos dois de Belo Horizonte para São Paulo, e depois de volta para BH e então de partida para o Rio de Janeiro, Tiso não sabe se Milton bebeu mais na sonoridade do grupo ou se o grupo se moldou às intenções de Milton. “Já sabíamos bem o que queríamos quando ainda estávamos em Belo Horizonte. Cada um colaborou com o outro.” A possível divergência mora no assunto onipresente do meio artístico. Enquanto Milton assina como um dos integrantes do Procure Saber, pela publicação de biografias só com autorização do biografado, Tiso é contra. “O artista batalha a vida toda para ter reconhecimento. E, quando tem, quer restringir (as biografias). Acho que isso tem de ser livre.”

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