Site declara guerra aos pagodeiros

Com mais de 150 associados, o "Morte aos Pagodeiros" foi criado para esculhambar com o gênero e seus adeptos. Pelo teor dos ataques, pode cair na mira da polícia, sob acusação de racismo

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Por Agencia Estado
Atualização:

Os ataques assustariam o mais machão dos skinheads. Jorge Aragão é chamado de "Jorge Arregão". Rodriguinho dos Travessos vira "Podriguinho dos Travecos". Dudu Nobre ganha a alcunha pesada de "Dudu Pobre". Xanddy, do Harmonia do Samba, é chamado de "o cara mais burro do mundo". Sua mulher, Carla Perez, "uma coitada mais burra do que ele". Os pagodeiros, em geral, são "malditos que influenciam no futuro maldito do país" e que "não sabem cantar", "não sabem dançar", "não sabem tocar" e "não sabem compor". São ainda "inacessíveis ao desenvolvimento mental", "malditos porque vieram do macaco" e pessoas que "não nasceram, foram escarradas." O nada correto palavreado disposto a implodir sambistas de toda espécie e gênero está em um site que vem ganhando cadastrados num ritmo perigosamente acelerado. O "Morte aos Pagodeiros", criado por roqueiros que se identificam apenas por pseudônimos, conta com mais de 150 associados e existe para esculhambar com uma música que consideram "maldita". Os artigos assinados por um certo Darvo Norrad Raynor beiram a pregação de uma limpeza étnica. O texto "A Influência do Pagode no País" abre assim: "Depois do domínio, esses malditos pagodeiros vêm influenciando cada vez mais no presente e no futuro dessa merda de país." E fecha com um chamado: "...vamos valorizar o som de ótima qualidade e desprezar esses bostas que não entendem merda nenhuma música." No fim da página há uma observação: "É bom que fique claro aos visitantes que o tema ´Morte aos Pagodeiros´ não aborda a morte de pessoas. O tema está em sentido figurado, onde "morte" foi colocado como ´tirar da mídia´." A ressalva não ameniza o discurso dos criadores da homepage. Nem o crítico mais mal-humorado pegou tão pesado com os pagodeiros que fizeram músicas de alto teor comercial por dez anos quanto o tal Norrad Raynor. O artigo "A Origem Maldita dos Pagodeiros" pode lhe valer, por si só, uma condenação por racismo: "Esses malditos (pagodeiros) evoluíram do macaco no século 9, quando os índios ensinaram os macacos a fazer música com cocos, chocalhos... Hoje em dia, com os índios praticamente extintos, os pagodeiros tomaram o Brasil e querem tomar o mundo." Soa tudo absurdo, mas o fato é que há muito mais gente que pensa assim do que se imagina. Malhar o pagode virou praxe assim que grupos como Raça Negra e Só Pra Contrariar tomaram de assalto as rádios e programas de TV. As letras, monotemáticas, falavam de amor de forma pouco inspirada. Chegaram a tocar tanto que nem os fãs agüentavam mais. Ficou tudo tão insuportável que muitos dos próprios pagodeiros deixaram de fazer pagode. O sambista Leandro Lehart, líder do grupo Art Popular, vê uma falha na própria classe. "Não foi o segmento do pagode que caiu, foram os artistas que ficaram muito fechados." O site Morte aos Pagodeiros, para ele, existe porque "o Brasil é um país super preconceituoso em todos os sentidos." Leci Brandão, autoridade entre sambistas de raiz, diz que é "discriminação". "Nós, que somos de outra geração, devemos muito ao pessoal do pagode dos anos 90. Hoje somos bem tratados e ganhamos uma infra-estrutura decente para shows. As letras eram ruins, mas temos de ver o lado bom." Quem não deve ver o lado bom muito em breve são Darvo Norrad Raynor e Lady Kerrigan, que assinam como responsáveis pela página Morte aos Pagodeiros. Assim que a reportagem entrou em contato com a Delegacia de Crimes Eletrônicos para falar sobre o assunto, o delegado titular Arlindo José Negrão Vaz decidiu: "Isso é racismo. Vou instaurar inquérito com base na reportagem."

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