Silva se entrega ao pop e se livra da timidez em novo disco

'Júpiter', terceiro álbum do capixaba, já está nas lojas e será lançado com show no Auditório do Ipirapuera, nos dias 20 e 21

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Por Pedro Antunes
Atualização:

Era a hora de deixar a timidez para trás. O capixaba Lúcio Silva sabia disso. E suava verdadeiramente para conseguir se desvencilhar desse cárcere de introversão no qual ele mesmo havia se prendido, mas também levado pela criação religiosa. Passava até duas horas e meia, em três sessões semanais, ao som de salsa, outros gêneros latinos e até o R&B pop do trio Destiny’s Child. Não queria mais se esconder atrás de um instrumento, como teclado ou violino, da forma acanhada como vinha se apresentando desde seu lançamento como artista dos mais instigantes do pop nacional, em 2012, ao despontar com o EP chamado 2012 e o disco Claridão, lançado ao fim daquele mesmo ano. A performance dele ao vivo precisava crescer conforme ele, aos 27 anos, expandia suas canções e sua musicalidade. Não queria mais dizer apenas “boa noite” e “obrigado” para a plateia, como em seus primeiros shows, tal qual aquela performance no festival Sónar, em São Paulo, realizado na mesma época da chegada dele às prateleiras.

Foi se soltando aos poucos, em um processo duro, porém de desafogo. Veio o segundo álbum, Vista Pro Mar, em 2014, seguido logo pelo novíssimo Júpiter, lançado no fim do ano passado, cuja estreia nos palcos ocorre neste sábado, 20, e domingo, no Auditório do Ibirapuera, com ingressos quase esgotados. Fez uma pré-estreia, há algumas semanas, no Sesc Consolação, como que para testar as canções e o novo formato. Colocou à prova a versão livre, leve e solta, adquirida com as aulas de dança ao longo de um par de meses, em Vitória.

Silva | Foto: Jorge Bispo | Divulgação Foto: Jorge Bispo | Divulgação

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A história de Jupiter é de libertação, acima de tudo. Em muitos sentidos. O desapego à criação rígida, à troca do som etéreo por temas mais quentes nas suas canções, ao assumir o flerte com o cancioneiro pop e até a regra mercadológica. Silva não queria esperar para colocar o novo disco nas lojas (e nos serviços de música de digital). Júpiter precisava, logo, entrar em órbita. “Não sei se isso acontece com todo mundo”, ele pondera, ao telefone, de Vitória onde ainda mora. “Mas quando você produz a própria música, faz todo o processo, do início, da composição, até o fim, acho que tudo acaba gastando mais rápido. Eu penso: ‘Pô, já deu, o recado já foi dado’.” Vista Pro Mar, lançado em março, desaguou em uma boa performance no festival Lollapalooza, em São Paulo, no mês seguinte, “e não parou mais”, como brinca o capixaba. “Trabalhamos nele até agosto do ano passado. Naquele momento, eu já tinha novas músicas acumuladas.”

Desse agosto até o dia 20 de novembro, data de chegada oficial de Júpiter, Silva trabalhou na própria transformação. “Eu estava mudando”, ele avalia. “Já estava mais livre no palco, mas aquela liberdade não condizia com o disco que eu estava mostrando. Foi uma necessidade pessoal mesmo de ter algo novo para mostrar.”

Toda a obra de Silva é carregada de simbolismos, um prato cheio para análises semióticas. Claridão, sua estreia, é até claustrofóbico, criado dentro do quarto dele, no escuro, saindo para a claridade. Vista Pro Mar representa os primeiros passos de Silva para fora da toca, embora ainda reflexivo. Em Júpiter, Silva está olhando para as estrelas – literal e figuradamente.

A faixa que dá título ao trabalho, escolhida para abrir o disco, é um convite a esse mundo novo, já que é tediosa a vida aqui na Terra. “Pegue o cigarro, pegue o seu jeans e o meu casaco laranja”, pede Silva, antes de sugerir “multiplicar o Jardim do Éden” nesse novo hábitat, o maior do sistema solar. O capixaba deixou as canções “assexuadas” de lado, como ele brinca, “ou etéreas” por uma temática acalorada. O amor pipoca aqui e acolá ao longo das 11 canções – dez delas autorais, escritas por Lúcio e pelo irmão Lucas Silva, e uma versão de Marina, de Dorival Caymmi.

Assumir o amor, a temática quente e até o desamor, seguiu por uma caminhada de libertação paralela àquela de combate à timidez. Silva diz ser diferente de artistas ferozes, com composições criadas no calor dos sentimentos. Ele cita Fiona Apple como exemplo oposto ao seu. “Ela briga com alguém, vai lá e escreve uma música a respeito”, diz ele. “Meu som não é tão autobiográfico sobre algo específico que aconteceu. Mas ele mostra o momento pelo qual estou passando. É aquela vibe, entende?” Silva tinha 23 anos na estreia, 25 quando lançou o segundo disco e, agora, vê a própria maturidade e independência, aos 27. “Eu me sinto, mesmo, mais maduro e confiante para falar sobre esse tipo de coisa, relacionamentos, de amor.”

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A criação cristã – seu avô era teólogo, inclusive – fez sua parte a construir uma parede entre as vontades de Silva e suas canções. Júpiter mostra que boa parte dela foi derrubada. “Eu já não era um cara religioso, já estava fazendo outro tipo de som, mas ainda estava preso ao som antigo”, ele lembra. “Meu som não permitia essa malemolência, ter batidas para dançar. Foi uma barreira que tive que quebrar. Com a idade, acho, você vai dizendo um ‘f...-se’ para o que as pessoas pensam, né? Com 27 anos, eu me importo menos. Me sinto mais livre.”

Quentes, como as músicas Sufoco, Feliz e Ponto, Se Ela Voltar e Deixa Eu Falar, ou até as mais minimalistas, tais Eu Sempre Quis, Eu Sou Desse Jeito, a instrumental Io e Nessas Horas, as canções de Júpiter ganham com a liberdade, são assobiáveis e, claro, dançantes. E devem fazer Silva usar, nos palcos do País, a desenvoltura descoberta na sala de estar da sua casa em Vitória – e mostrada no clipe de Eu Sempre Quis. O capixaba garante, depois daqueles meses, ter aprendido o que fazer com as mãos quando não está com um instrumento no palco. “Olha”, ele diz, entre risadas. “Demorei, mas juro que aprendi.”

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