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Show no Circo Voador homenageia os 80 anos do compositor Candeia

Cantor foi um herói da resistência do samba e da raça negra

Por Fernando Paulino Neto
Atualização:

Aos seis anos de idade, ele já convivia com artistas do tamanho de Paulo da Portela, João da Gente e Zé da Zilda, que faziam rodas de samba e choro na casa de seu pai, Antonio Candeia. Aos 18, logo ao chegar na Portela emplacou o samba Seis datas magnas, em parceria com Altair Marinho, e foi campeão do carnaval de 1953. Em 1965, já com fama de policial valente e estourado, furou o pneu de um caminhão a tiros em uma briga de trânsito. O motorista reagiu, acertou uma bala em sua coluna e o deixou paraplégico, conforme citação do Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira.  Acabava ali a carreira policial de Antonio Candeia Filho e se consolidava a de sambista e defensor da causa negra até sua morte prematura, aos 43 anos. Logo depois, foi homenageado por Wilson Moreira e Nei Lopes com o emocionante samba Silêncio de um bamba.

Contemporâneo de Candeia na Portela, o compositor Monarco participa de um show em homenagem aos 80 anos de nascimento do sambista, ao lado de Paulinho da Viola, Martinho da Vila, Teresa Cristina e Cristina Buarque, na noite desta quinta-feira no Circo Voador, no Rio, com lotação esgotada. “Nós chegamos lá juntos”, lembra o líder da Velha Guarda da Portela, que só fez um samba em parceria com ele, Portela é uma família reunida. Monarco diz que Candeia mudou muito depois do incidente. Inclusive na forma de compor. “Antes o samba dele era mais corrido. Depois que passou a andar em cadeira de rodas, ficou mais dolente, um lamento”, diz. Para Monarco, o grande exemplo é a música que vai fechar o show desta quinta à noite, Preciso me encontrar ( “Deixe-me ir / preciso andar / vou por aí a procurar / rir pra não chorar”). Outro clássico que, para Monarco, reflete esse sentimento é Pintura sem arte: “Samba é lamento, é sofrimento/é cura dos meus ais”. Martinho da Vila considera que a carreira de Candeia deslanchou depois de ele ficar paraplégico. “A grande produção dele foi pós acidente, influenciada por pessoas de outras áreas que começaram a frequentar sua casa”, afirma. “Eu levei para lá João Bosco, Clara Nunes e muitos outros. Esses encontros abriram o horizonte dele”, avalia Martinho. O compositor da Vila se aproximou de Candeia quando ele não podia mais andar. “Uns amigos me chamaram para ir na casa dele. Estavam preocupados porque estava perto do carnaval e ele não ia desfilar. Ficamos amigos”. E viraram parceiros em Eterna Paz. “Ele me deu a melodia e pediu uma letra romântica. Só completei depois que ele morreu”, diz. A parceria estendeu-se para o grande ato de afirmação da tradição das escolas de samba e da raça negra, o Grêmio Recreativo de Arte Negra e Escola de Samba Quilombo. Em 1975, irritado com o rumo das escolas, já àquela época tomadas por gente de fora da mundo do samba, Candeia abandonou a Portela e criou uma escola com características especiais. Martinho, da Vila Isabel, o acompanhou. Era uma escola especial. Não disputava o campeonato. Desfilava pelas ruas da cidade, respeitando a forma antiga. Tinha nas suas alas gente da estirpe de Nei Lopes, Wilson Moreira, Monarco, Mestre Darcy do Jongo. “A ideia era que a escola não fosse atrelada às novas normas e que desfilasse mais livremente”, conta Martinho. Monarco recorda que, naquela época, “chegou um pessoal de fora (na Portela) e quem fez história na escola passou a ser tratado como um joão ninguém”. Por isso, Candeia e seus companheiros foram para a aventura. E o lugar era tão fortemente marcado como de resistência negra que, lembra Monarco, Candeia dizia que “branco pode (frequentar a escola), desde que seja um branco bem intencionado”.  No carnaval de 2016, o Quilombo talvez volte a desfilar pelas ruas do Rio. Selma Candeia, filha do compositor, tenta reviver a escola em meio às muitas homenagens que estão sendo feitas e não cabem nesse espaço. Pois, como diz Monarco, parodiando o samba famoso: “Se eu for falar de Candeia/hoje não vou terminar”. 

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