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Sheku Kanneh-Mason, violoncelista da realeza, lidera listas de vendas e downloads

Com apenas 19 anos, britânico aproveita o sucesso após tocar no casamento do príncipe Harry com Meghan Markle

Foto do author João Luiz Sampaio
Por João Luiz Sampaio
Atualização:

Na última terça-feira, diversas publicações europeias dedicadas à música clássica correram às redes sociais para comemorar um feito histórico: o compositor russo Dmitri Shostakovich havia se tornado o mais ouvido e baixado nos principais serviços de streaming de música, desbancando artistas como Ed Sheeran e Taylor Swift. Não era exatamente mentira – mas a conquista provavelmente tinha menos a ver com o compositor russo e mais com um intérprete específico: o violoncelista britânico Sheku Kanneh-Mason que, dias antes, foi revelado ao mundo durante a cerimônia de casamento do príncipe Harry e da atriz Meghan Markle.

Não foi, de qualquer forma, um feito pequeno. Nem o único. Ao longo da última semana, além de ser o artista mais vendido pela Amazon nos EUA e na Inglaterra e liderar a parada do iTunes nos dois países, ele bateu recordes de vendas dentro do universo da música clássica, ganhou quase meio milhão de novos seguidores em seus canais em redes sociais – e tornou-se garoto-propaganda da marca das meias coloridas usadas por ele na cerimônia. Isso sem falar nos potenciais contratos para apresentações e gravações – basta lembrar que, após cantar no casamento do príncipe Charles com Lady Diana, em 1981, a soprano Kiri Te Kanawa se tornaria um fenômeno de vendas, com quase 40 discos lançados em menos de dez anos.

Sheku Kanneh-Mason tem apenas 19 anos Foto: Lars Borges/Pool via Reuters

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Sheku foi de fato a sensação de uma programação musical “clássica” que teve também a soprano Elin Manahan Thomas (e talvez não seja real ou monárquico o suficiente chamar atenção para os problemas de afinação de sua performance). O repertório do violoncelista foi composto por versões da Sicilienne, de Maria Theresia von Paradis; da Ave Maria, de Schubert; e da canção Après Un Rêve, de Fauré. 

A escolha de uma compositora não deixa de ser um tipo de afirmação política de Sheku. Mas mais de um crítico chamou atenção para a ironia de uma canção como a de Fauré, que define o amor como algo impossível de se concretizar fora do mundo irreal dos sonhos, ter sido escolhida como trilha sonora para um casamento (se bem que uma das favoritas dos noivos e noivas mundo afora é a ária Nessun Dorma, da Turandot, de Puccini, ópera sobre uma princesa que, para evitar o casamento, manda cortar a cabeça de seus pretendentes, vai entender…).

Sheku tem apenas 19 anos e ainda não completou a sua formação. “Foi uma semana muito louca, com o casamento real e logo em seguida as provas finais na escola”, disse em seu twitter, referindo-se às avaliações da Royal Academy de Londres. Mas não é exatamente um rosto desconhecido no mundo musical britânico. Em 2016, participou junto com os irmãos, todos músicos, do reality show Britain’s Got Talent. Em seguida, foi escolhido pela BBC como jovem músico do ano, além de ser tema de um documentário no qual falava sobre sua atuação no projeto Chineke! Orchestra, grupo composto por músicos de minorias étnicas. “É um projeto muito importante. Se você é um jovem negro indo a um concerto, você não costuma ver pessoas como você no palco”, disse ele na ocasião ao jornal The Guardian

Seu interesse pela música, alimentado em casa, começou com o piano. Seguiu-se um período com o violino, mas ele logo se apaixonaria pelo violoncelo ao assistir a uma orquestra sinfônica ao vivo e ouvir o som mais grave do instrumento. Quando conheceu, pouco depois, as gravações de Jacqueline du Pré, teve certeza de que havia encontrado seu caminho. “Desde muito pequeno, ela tornou-se um modelo, uma inspiração”, disse em uma das dezenas de entrevistas que concedeu nos últimos dias.

Nelas, falou também de seu futuro (e do desejo de vir ao Brasil). Está muito feliz com a notoriedade de seu primeiro disco. E ter conhecido de perto gente como David Beckham, Elton John e George Clooney foi incrível. “Mas o que tenho pela frente agora é muito estudo e treino”. E uma carreira todinha à sua espera.

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Primeiro disco do artista mistura clássico e popular

O disco de estreia do violoncelista Sheku Kanneh-Mason revela um artista de forte personalidade. O nome do álbum, lançado no ano passado pelo selo Decca, é Inspiration, e ele próprio explica o conceito: “Tanto na hora de escolher as peças para o casamento real quanto no momento em que decidi o que gravar no CD, optei por peças que de alguma forma me inspiraram”, disse ele para o site Billboard, contando ainda que o convite para a cerimônia partiu pessoalmente da noiva.

Seu registro do Concerto nº 1 para Violoncelo de Shostakovich impressiona não apenas pelo virtuosismo com que enfrenta passagens realmente difíceis, mas pela delicadeza dos momentos de maior lirismo, pelo controle expressivo que tem do violoncelo e pela musicalidade madura. “A peça é a última batalha de Shostakovich contra o regime de Stalin na Rússia e há muita raiva, desespero, mas também solidão, além de toques refinados de humor”, disse ele ao New Statesman no ano passado, quando o CD foi lançado.

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Mas, se um disco conta uma história, ela versa acima de tudo sobre um artista que parece celebrar a diversidade e o diálogo como elementos do fazer musical. É por isso que convivem no álbum uma peça de referência do repertório tradicional como o concerto de Shostakovich; um hino do reggae, No, Woman no Cry, de Bob Marley (em arranjo para violoncelo solo feito pelo próprio Sheku); ou Hallelujah, de Leonard Cohen (em arranjo para grupo de cordas que, em alguns momentos, justiça seja feita, esbarra no convencional e melodramático). 

É uma mistura que se justifica na mente e sensibilidade do intérprete – e que, por meio de um modo de tocar envolvente, comvence também o ouvinte.

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