Sessentão, Dylan revê a história da canção americana

Em seu novo álbum, o recém-lançado Love and Theft, ele busca inspiração no cancioneiro pop antigo para reassumir a ponta da música americana

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Por Agencia Estado
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O primeiro disco do Bob Dylan sessentão, Love and Theft, é o álbum de um cantor maduro, reverente para com seus primórdios e com um olho firme na próxima curva do caminho. E bem mais contemplativo do que ele foi em seu mais recente trabalho, Time Out of Mind (1997). Love and Theft é o 43.º disco de Robert Allen Zimmerman, codinome Bob Dylan, um dos mais importantes artistas populares de todos os tempos. Qual tem sido sua importância? Há diversos argumentos. Michael Cunningham, autor de The Hours (livro vencedor do Pulitzer de ficção em 1999), escreveu longo artigo para o New York Times enfileirando seus motivos pessoais. "Ao menos naquela época (os anos 60), parecia que Bob Dylan e eu abominávamos as mesmas coisas - a futilidade e hipocrisia da América - e éramos apaixonados pelas mesmas coisas - a liberdade anárquica, a estranha beleza dos abandonados pela sorte, todo o assombroso brilho de um vasto e perigoso mundo", escreveu Cunningham. No novo século, Dylan continua assombrando pela determinação com que se mantém nesse caminho reto, inequívoco, limpo. Mas também insere nessa retidão de caráter um componente artístico novo, caso de seus dois mais recentes trabalhos. Pesquisando num cancioneiro pop antigo (tipo Hoagy Carmichael, de canções jazzy, com uma abordagem de crooner de orquestra de salão), Dylan reassume a ponta da música popular americana com Love and Theft. Às vezes com uma rouquidão de velho bardo country (em Mississippi) ou suave como Frank Sinatra de férias (no vaudeville de Bye and Bye), o cantor nos leva para um novo mergulho na história da canção americana. Quando ele canta blues, caso da vibrante Lonesome Day Blues, não está imitando John Lee Hooker ou quem quer que seja. Preocupa-se em refletir sobre a extensão da influência desses ritmos em própria arte e na música do seu tempo. Acrescenta-lhes elementos novos. É o que faz, por exemplo, no rockabilly de Summer Days, no qual sublima o legado de Chuck Berry e Little Richard e, ao mesmo tempo, ironiza as regras recorrentes da indústria musical, que só admite o novo como pastiche do passado. "Ela diz que você não pode repetir o passado", ele canta. "É claro que pode", arremata. Em um quarto de século, é o primeiro disco de Dylan com sua banda de turnê, o que parece ter-lhe incutido alguma energia de quando andava pela estrada com The Band. Ele se mostra absolutamente à vontade com seu grupo atual, que inclui o guitarrista Charlie Sexton e o veterano organista e acordeonista Augie Meyers, convidado da trupe. O timbre vocal melhorou, Dylan está caprichando no jeito de cantar, dessa vez por conta do repertório escolhido. Time Out of Mind (produzido por Daniel Lanois), que lhe valeu três prêmios Grammy em 1997, era uma grande reflexão sobre a proximidade da morte, a falibilidade do ser, o buraco negro existencial. Havia razão: Dylan havia acabado de sobreviver a uma cirurgia delicada. Há apenas uma música que liga um álbum a outro. É a delicada Mooonlight, cuja guitarra acústica, tocada com batidas percussivas de maneira suave, lembra um entardecer glorioso, no alto de um vagão de toras de madeira - como numa antiga cena de O Imperador do Norte, clássico subestimado do cinema. Dylan pega mais pesado com Honest with Me, logo a seguir. Mas ele não empunha a canção como o roqueiro excêntrico, que desafia eternamente seu público com arranjos cifrados para canções manjadas, evitando a cilada do coro domesticado. Na verdade, Dylan só está acordando a platéia. Na seqüência, volta a garimpar sutilezas e fagulhas esquecidas com Cry a While. Senhoras e senhores aí no salão, com as cartas na mão: esqueçam seus truques, Dylan tem um full de ases. Love and Theft. De Bob Dylan. Lançamento Sony Music. Preço médio do CD: R$ 28,00. Nas lojas.

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