Sérgio Ricardo quebra jejum e lança disco novo

Fora do mercado desde os anos 70, um dos maiores compositores brasileiros evita o esquema das grandes gravadoras e lança CD alternativo com seis canções inéditas

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Por Agencia Estado
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Autor dos sambas Zelão e Nasceu uma Rosa na Favela, da canção Buquê de Isabel, das bossas Pernas e Folha de Papel, da toada Arrebentação, do afoxé Ponto de Partida, do grito libertário Esse Mundo É Meu, da trilha sonora de Deus e o Diabo na Terra do Sol, filme emblemático do cinema brasileiro, dirigido por Glauber Rocha, ele mesmo cineasta e pintor, Sérgio Ricardo está lançando disco novo. É um trabalho alternativo, que tem o selo da Niterói Discos (gravadora que existe há 11 anos e faz parte de um projeto cultural da prefeitura da cidade). O CD de Sérgio Ricardo tem o nome de Quando Menos se Espera. Numa das músicas do disco, uma bossa, Do Morro à Matriz, canta: "Esquece por hoje as notícias e dobre o jornal/ Não pára que o amor já te espera depois do sinal/ Te lembro que estás na cidade onde guarda te assalta e a enchente te traga/ E corre que na contramão a impunidade vaga." Uma história de amor perpassada pela realidade bárbara. Melhor não parar ao encontrar o amor - o cotidiano selvagem engole você. Porque grande parte de sua poesia é assim, e porque jamais deixou de ligá-la ao momento que vive, Sérgio Ricardo está fora do mercado fonográfico desde os anos 70. O título do disco remete a isso, também. E Sérgio Ricardo não voltou apenas para lembrar antigos sucessos. Quando Menos se Espera tem dez faixas, seis delas novas. As regravações são Calabouço, Beto Bom de Bola, O Nosso Olhar e Zelão. Calabouço é de 1973. No disco que trazia a música, Sérgio aparecia com uma tarja cobrindo-lhe a boca. A letra diz: "Cerradas as portas do mundo/ E decepada a canção/ Metade com sete chaves/ Nas grades do meu porão/ A outra se gangrenando/ Na chaga do meu refrão/ Cala o peito, cala o beiço/ Calabouço, calabouço." Alude à morte de um estudante num restaurante universitário - chamado Calabouço - durante invasão da polícia. O samba Beto Bom de Bola foi apresentado num festival da canção, em 1967. O público vaiou. Sérgio Ricardo disse: "Vocês venceram." Jogou o violão na platéia e foi embora. O incidente o marcaria tanto quanto a censura do regime militar. Sérgio admitia que não gostassem de sua música. Não admitia que não o deixassem cantar. Que o quisessem calar. O título de um de seus primeiros discos, lançados em 1964, era Um Senhor Talento. Aproveitando o gancho, Sérgio Cabral escreveu sobre o compositor, em 1991: "Com o passar dos anos, a gente viu que outras palavras também poderiam retratá-lo fielmente. Se me coubesse, agora, a responsabilidade de escrever a biografia de Sérgio Ricardo, é provável que eu a intitulasse de Senhor Dignidade." Sérgio Ricardo combina talento e dignidade. Um dos maiores compositores da música brasileira, volta, enfim, à cena, burlando o esquema das grandes gravadoras, e promete continuar. O baú, diz, está cheio. Eis, enfim, uma boa notícia.

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