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Sérgio Ricardo, cineasta, pintor e compositor

Por Agencia Estado
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Na terça-feira, João Mansur Lufti completa 70 anos. Nasceu em Marília, no interior de São Paulo. Seu pai, um imigrante libanês, tocava alaúde. Aos 8 anos, o menino que mais tarde adotaria o nome artístico de Sérgio Ricardo começou a estudar piano, em seguida a tocar em festas. Antes da maioridade, mudou-se para Santos, no litoral paulista, e trabalhou como discotecário, técnico de som e locutor. Ao mesmo tempo, tocava piano numa banda de boate. Subiu para o Rio de Janeiro em 1952 e conseguiu emprego de pianista na Boate Copacabana, na vaga de Tom Jobim, que deixava a noite para trabalhar na gravadora Continental. Sempre estudando música, na boate, foi ouvido pelo compositor Nazareno de Brito, que produziu seu primeiro78 rotações. Assim, estreou como compositor, com a toada - é paulista do interior, vamos lembrar - Cafezinho. O sucesso viria em 1955, quando Maysa gravou o samba-canção Buquê de Isabel. Pouco depois, em São Paulo, atuaria como galã em novelas de televisão - mas por pouco tempo. Em 1960 saiu o primeiro elepê, A Bossa Romântica de Sérgio Ricardo. É dessa época o sucesso Pernas, no auge do flerte com a bossa nova. Sérgio Ricardo participou de shows do movimento (inclusive o célebre do Carnegie Hall) mas afastou-se dele, aos poucos, e a marca do distanciamento é o samba Zelão: "Todo morro entendeu quando Zelão chorou/ Ninguém riu, ninguém brincou, e era carnaval." É a história de um favelado que perde tudo - o pouco que tinha - num temporal: "No fogo do barracão/ Só se cozinha ilusão/ Restos que a feira deixou/ E ainda é pouco." É, também, o elogio da solidariedade: "Mas assim mesmo, Zelão/ Dizia sempre a sorrir/ Que um pobre ajuda outro pobre/ Até melhorar." No novo disco, Zelão ganhou uma animação computadorizada, realizada pelo autor da música e que pode ser vista no computador. Na mesma época, Sérgio Ricardo começou a filmar. Sua primeira obra foi o curta-metragem O Menino da Calça Branca, feita com Nelson Pereira dos Santos. Imagens em movimento estavam no sangue - o irmão de Sérgio, Dib Lufti, é um dos maiores fotógrafos do cinema brasileiro. Morou um tempo nos Estados Unidos, atuando em casas noturnas, como músico, e voltou ao Brasil para filmar, em 1963, o longa Esse Mundo É Meu, que foi montado por Ruy Guerra. Naquele ano, ainda, trabalharia com Glauber Rocha na trilha sonora de Deus e o Diabo na Terra do Sol. Musicou peças de teatro (O Coronel de Macambira, de Joaquim Cardoso), lançou discos, participou de festivais - inclusive de um Festival de Música de Protesto, realizado na Bulgária. "Música de protesto" era o nome para as músicas que tratavam de temas políticos ou sociais, um movimento internacional que teve correlatos nos Estados Unidos, nos anos 50 e 60, principalmente nesses últimos, nas vozes de Pete Seeger Arlo Guthrie, discípulo confesso deles, o jovem Bob Dylan, coadjuvado por Joan Baez. As canções de protesto americanas e européias eram de desencanto com o mundo moderno e de repulsa à Guerra do Vietnã. A canção de protesto brasileira foi de delação. Havia um Brasil escondido, à sombra do oficial, por trás da edonismo contemplativo da bossa - desse País que falavam Sérgio, Carlos Lyra (também egresso da bossa), Geraldo Vandré. Sérgio filmou Juliana do Amor Perdido (1969) e A Noite do Espantalho (1973), obra que revelou os atores-cantores Alceu Valença e Geraldo Azevedo. Lançou mais discos - estão todos fora de mercado -, dividiu palco com Chico Buarque, em Cuba, no festival de Varadero de 1979 (Chico, aliás, conta sempre que sua grande influência foi Sérgio Ricardo, não Tom Jobim). Nos anos 80, musicou o cordel Estória de João-Joana, de Carlos Drummond de Andrade, lançado em disco (o cordel foi regravado, há dois anos, em nova versão, com participações de Chico, Elba Ramalho, Alceu Valença e outros). Drummond escreveu, ao sair em disco a primeira versão: "Passei parte da noite de ontem e vou varando o frio deste sábado ouvindo o elepê do nosso cordel, sem me cansar de ouvi-lo. Sigo embalado pelo poder mágico de sua voz e de sua música, combinados de forma tão patética que ao autor do velho poema, já meio desligado ao seu trabalho, causa arrepios. Obrigado, Sérgio, de todo coração pela esmagadora sensação de beleza e de humanidade que você me deu." Quando a censura tornou inviável sua aparição em rádio e televisão e, portanto, no disco e no restante da mídia, Sérgio Ricardo escapou pelo circuito universitário. Não parou. "Continuo compondo sempre; sento-me ao piano todos os dias e quase todo dia surge música nova", conta. "Só que o que faço, se hoje não é proibido, não está de acordo com os padrões do mercado", constata. Sempre na contramão, Sérgio está à frente do projeto Lona Livre que, às terças-feiras, em Niterói, abre espaço para novos artistas. "É impressionante a quantidade de gente boa que existe; e de público querendo ouvir música boa", constata. Pianista e violonista extraordinário, arranjador, dono de uma das mais belas vozes da música brasileira, Sérgio Ricardo - capaz de maravilhas românticas como a citada Buquê de Isabel ou a valsa Mágoas, de canções infantis (muitas, com Ziraldo, musicando o livro Flicts) - insiste na denúncia, fiel a si mesmo, como diz nos versos iniciais de Quando Menos se Espera: "Oh, liberdade/ Presa às grades da paixão/ Sem ti não faz sentido/ Ser um folião" - e a duplicidade de sentido faz parte do jogo. Para comprar o disco, acesse o site www.artbraz.com.br ou mande e-mail para luizrocha@artbraz.com.br.

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