Sensualidade e beleza vocal a serviço da ópera e das canções

Anna Catarina Antonacci explora bem possibilidades de uma voz que se situa entre o mezzo e o soprano

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Por Redação
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Jacques Drillon, crítico musical francês, definiu com precisão a relação cantora-pianista num recital de lieder: "Essa relação privilegiada, cuja dimensão sexual mal e mal é disfarçada, suscita certa inveja e dá margem a alguns fantasmas. Sob a aparência doce e conveniente que os dois músicos exibem na noite do recital, como não procurar algo mais? Como não extrapolar? Os espectadores de circo esperam secretamente que o equilibrista se estatele no chão; no concerto, o que será que se espera do acompanhante e de sua cantora? Nem ousamos imaginar".

 

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Ele tem toda razão. De fato, é ambígua, mas muito atraente para a plateia, a relação cantora-acompanhante. Sobretudo se ela for a bela e sensual Anna Caterina Antonacci. Acrescentem-se pitadas de erotismo num repertório que fugiu, na terça-feira, na Sala São Paulo, dos lieder alemães, alojando-se no sensual mundo das canções de salão da chamada belle époque europeia da virada dos séculos 19/20. Ali o popular e o erudito se encontravam. Ou melhor, o lied germânico descia do pódio para assumir um jeitão mais informal, menos complexo. E virou "mélodie", canção acessível a todo tipo de ouvidos. As letras mais simples e diretas ajudam, falam ou de tristezas e alegrias de amor.

 

La Antonacci - dona de uma atraente tessitura que passeia confortavelmente nos domínios de mezzo e de soprano autêntica, com destaque para os profundos graves bem explorados - é italiana de Ferrara, mas vive em Paris. A primeira parte, portanto, foi à francesa. Nas Cinco Mélodies de Veneza, opus 56, de Gabriel Fauré, pareceu presa. Começou a soltar-se em Reynaldo Hahn, o andrógino "dandy" que brilhou nos salões parisienses da belle époque, de delicada sensualidade (antológicas suas interpretações de Enamorada e A Primavera).

 

A segunda parte, italiana, fez a temperatura subir. Curiosas as cinco canções de Paolo Tosti em inglês (ele naturalizou-se e viveu em Londres), parecem coisas de um Gershwin europeizado. Amor, Amor, de Tirindelli, é puro fogo de artifício, assim como o Scherzo, de Cimara. O toque exótico foi Nevrosi, um minuto de canção assinada pelo maestro Arturo Toscanini. Os Tre Canti all’antica e as canções Pioggia e Nebbie, de Ottorino Respighi, ajudam a entender por que Antonacci anda sendo chamada de nova Callas. Com doses exatas de drama e alto poder expressivo, foi memorável, com destaque nas duas últimas.

 

As derradeiras performances bandearam-se para a ópera, onde ela evidentemente sente-se mais em casa. Foi "assoluta" em "Paolo, datemi pace!", da ópera Francesca da Rimini, de Zandonai, assim como no extra. E estabeleceu forte relação com o seguro Donald Sulzen. Afinal, como escreve Drillon, "o piano ocupa o papel principal. É ele que dá o tempo, é ele que dá o tom, que constrói a peça, que a faz ficar em pé, como o manequim da costureira sobre o qual ela põe a roupa. É o piano que atenua, que faz avançar, que retém, que solta. Que dirige o discurso".

 

Cotação: bom

 

ANNA CATERINA ANTONACCI

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Sala São Paulo. Praça Júlio Prestes, 16, 3258-3344. Hoje, 21 horas. R$ 70/R$ 160.

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