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Selo inglês exclusivo para trilhas raras do jazz

O crítico Selwyn Harris fala de sua gravadora, que só lança o gênero

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Por Antonio Gonçalves Filho
Atualização:

Quando o crítico de jazz Selwyn Harris, colunista da conceituada revista inglesa Jazzwise, criou a gravadora Moochin’ About, em 2011, não podia imaginar que o selo crescesse tanto a ponto de colecionadores disputarem seus lançamentos – alguns até mesmo com pouco apelo comercial, como uma caixa com trilhas sonoras de filmes poloneses dos anos 1960. Harris já lançou sete boxes. O inesperado sucesso provocou até uma disputa entre ele e o ex-sócio, que romperam. Agora, são dois selos dedicados à música composta para o cinema – mais especificamente, aos filmes que usaram jazz em suas trilhas sonoras: o Moochin’ About e o Jazz on Film Records, criado há dois anos por Harris.

Harris assinou a compilação dos dois primeiros lançamentos da gravadora Moochin’ About, Film Noir e Beat, Square & Cool, e ainda um terceiro título, French New Wave (que virou simplesmente The New Wave no relançamento, provocando um bate-boca via internet entre ele e o ex-sócio). Brigas à parte, os boxes lançados pelo selo de Harris, além de excelente remasterização, oferecem ao ouvinte o melhor do que foi produzido pelos compositores de cinema – desde que Alex North, de forma ousada, usou o jazz pela primeira vez na trilha do clássico Um Bonde Chamado Desejo (A Streetcar Named Desire), em 1951, um dos discos do box pioneiro do selo, Film Noir.

Cena do seriado de TV "Peter Gun", com música de Henry Mancini, que está no box "Film Noir", lançado agora na série "Jazz On Film" Foto:

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Alex North (1910-1990), indicado 15 vezes para o Oscar, faz companhia na caixa (com 5 CDs) a outros compositores consagrados, como Elmer Bernstein (The Man with the Golden Arm), Henry Mancini (Touch of Evil), Duke Ellington (Anatomy of a Murder), John Lewis (Odds Against Tomorrow) e o baterista Chico Hamilton (Sweet Smell of Sucess). É um dos melhores lançamentos do selo, seguido pela caixa dedicada às trilhas da nouvelle vague francesa, que traz Martial Solal como autor da música de A Bout de Souffle (Acossado, 1960), filme de Godard, e Ascenseur pour l’échafaud (Ascensor para o Cadafalso, 1958), primeiro longa de Louis Malle, que já começou no cinema tendo o trompetista Miles Davis como parceiro musical.

“O conceito da coleção é o de produzir trilhas remasterizadas de alta qualidade, com textos de especialistas na área, reproduções dos pôsteres originais e cenas dos filmes”, diz Selwyn Harris. “Creio que essas trilhas podem jogar uma nova luz sobre a história do jazz” – como as do compositor Krzystof Komeda, por exemplo. Komeda (1931-1969) compôs trilhas para o cineasta Roman Polanski, incluindo a de seu primeiro longa, A Faca na Água (Knife in the Water, 1962), incluída no box dedicado ao cinema polonês (Jazz in Polish Cinema: Out of the Underground, 1959-1967). Sua última colaboração com Polanski foi também sua derradeira obra, O Bebê de Rosemary (Rosemary’s, Baby), trilha assinada em 1968 pelo polonês, um ano antes de morte.

O jazz de Komeda é soturno, subversivo (o gênero era banido na Polônia comunista). O solista na trilha de A Faca na Água é o trompetista Tomasz Stanko, que acabara de compor a trilha de Madre Joana dos Anjos (1961), de Kawalerowicz. Stanko é o Chet Baker polonês. Baker, aliás, ganhou do selo Jazz on Film uma caixa com três CDs de trilhas italianas (Chet Baker: Italian Movies) compostas por Piero Umiliani, entre elas a de I Soliti Ignoti (Os Eternos Desconhecidos).

“A gravadora não tem qualquer tipo de restrição quanto à nacionalidade dos compositores”, garante Harris, que revela não ter sido o responsável pela compilação da caixa The New Wave, que trocou a trilha de Eva, composta pelo francês Michel Legrand para o diretor Joseph Losey (na caixa The French Wave) pela música do filme Orfeu Negro (Black Orpheus), composta por Antonio Carlos Jobim e Luiz Bonfá (na reedição intitulada The New Wave).

O produtor gosta de bossa nova. Revela seu desejo de relançar a trilha de Chamada para um Morto (The Deadly Affair), que Quincy Jones compôs para o filme de Sidney Lumet, recorrendo ao gênero musical criado por Jobim e à cantora Astrud Gilberto como intérprete do belo tema principal (o CD foi lançado pela Verve). “Não é fácil conseguir permissão para reeditar trilhas como essa”, justifica. Harris pretende agora relançar outros títulos em vinil.

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A cobiça do selo Jazz on Film pelo catálogo formado pelo produtor Norman Granz, fundador da gravadora Verve em 1956, é clara. Numa das primeiras caixas que produziu, chamada Beat, Square & Cool, Selwyn Harris incluiu a trilha do filme Les Tricheurs (Os Trapaceiros), que Marcel Carné dirigiu em 1958 com música composta pelo próprio Granz. O autor, na época, estava em turnê pela França e convocou para a trilha Dizzy Gillespie e Oscar Peterson, entre outros. 

A caixa Beat, Square & Cool (4 CDs) traz as trilhas de Paris Blues (Duke Ellington), I Want to Live (Johnny Mandel), The Subterraneans (André Previn), Shadows (composta por Charles Mingus para John Cassavetes) e The Connection (o hard bop de Freddie Redd para o filme de Shirley Clarke).

Dois outros boxes da Jazz on Film merecem destaque: Crime Jazz, com oito CDs excepcionais que trazem trilhas de seriados de detetive que fizeram sucesso na TV nos anos 1960 (entre elas a de Peter Gun, de Henry Mancini) e Biopics, com trilhas de cinebiografias de músicos de jazz (Benny Goodman e o baterista Gene Krupa, entre eles).

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