Saxofonista Kamasi Washington, que se apresenta em SP, é o sopro do novo jazz que vem da Califórnia

Depois de estrelar discos de Kendrick Lamar e Snoop Dog, Kamasi Washington volta ao Brasil como principal atração do Nublu Festival

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Por Pedro Antunes
Atualização:

Kamasi Washington não é só jazzista por ser filho de outro jazzista. Pela música, ele se liberou da realidade de Inglewood, cidade próxima de Los Angeles que tinha altíssimos índices na taxa de homicídios – uma das maiores dos Estados Unidos naquele início dos anos 1990. Foi o jazz que colocou o garoto sempre alto para a idade distante das guerras entre gangues que tomavam as ruas de seu bairro. 

Kamasi Washington Foto: Lauren Lancaster/The New York Times

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Seria difícil, de qualquer forma, que Kamasi saísse dos trilhos do jazz. Filho de Rickey Washington, produtor e músico de estúdios dos bons, o saxofonista foi doutrinado com o que havia de melhor no gênero. E Rickey sempre se fez presente. Até o nascimento do filho, em 1981, ele era uma estrela em ascensão. Depois, decidiu largar a vida da estrada para dar ao filho o que o próprio pai faltou com ele. Deixou os estúdios e assumiu-se como professor de música. 

“O jazz sempre esteve comigo, desde muito pequeno”, explica Kamasi, ao relembrar o passado. Aos 11 anos, ele já sabia ler partituras e tocava, no clarinete, Sleeping Dancer Sleep On, de Wayne Shorter. Aos 36, ele é a principal atração de Nublu Jazz Festival, iniciado ontem e que segue até domingo, 9, no Sesc Pompeia. Kamasi e sua banda se apresentam em duas noites, sábado, 8, e domingo, 9. Ambas estão com ingressos esgotados. 

Depois de duas passagens pelo País como integrante da banda que acompanhava o baixista Stanley Clarke, ele retorna como uma das principais figuras do novo jazz surgido na Costa Oeste dos Estados Unidos – e maiores também, com seus imponentes 1,92 m de altura. O músico já havia participado de discos e turnês de Snoop Dogg, Ryan Adams, We Are Scientists, Quincy Jones, quando foi convocado para participar de To Pimp a Butterfly, álbum do rapper Kendrick Lamar, de 2015, que colocou fogo nas barreiras do jazz ao fundi-lo com o hip-hop. Dois meses depois desse disco, Kamasi soltou seu petardo: The Epic, um disco triplo, com 17 músicas e duas horas e 53 minutos de duração (a cantora brasileira Thalma de Freitas participa dos vocais de algumas canções). Mesmo tão antipop, principalmente pelo tempo que se leva para ouvir The Epic do começo ao fim, o disco figurou na lista dos melhores do ano. E provou que Kamasi Washington não virou jazzista por acaso. Estava destinado a isso. 

Como ‘The Epic’, de Kamasi Washington, jogou luz na nova geração da Costa Oeste 

Kamasi Washington não tinha tempo livre – entre turnês, tentava criar as composições que iriam para seu primeiro disco solo. The Epic, como ele foi chamado, começou a ser gravado em 2011 e só finalizado em dezembro de 2014. Chegou às lojas no ano seguinte. Com quase três horas de duração, o trabalho era o sonho do saxofonista de produzir a própria música e deixar o posto de músico acompanhante para trás. “Eu queria que esse disco fosse o reflexo de quem eu sou. Ontem, hoje e amanhã”, explica o músico. O álbum, mesmo com sua extensa duração, foi elevado a grande lançamento de jazz do ano. 

Kamasi Washington (no centro) Foto: Mike Park/The New York Times

E colocou os holofotes no grupo de jovens jazzistas que têm incendiado a costa oeste dos Estados Unidos. Sob o nome de West Coast Get Down, o coletivo de 20 músicos se apresenta desde o início da década em casas especializadas em jazz pelas cidades da Califórnia. São, grande parte deles, amigos de infância que estudaram e cresceram como músicos juntos. Foi a eles quem Kamasi recorreu quando deu início aos trabalhos de The Epic, seis anos atrás. “Alguns deles eu conheço desde que tinha 3 anos de idade. E sempre sonhamos em fazer a nossa música. Usá-la para unir as pessoas e espalhar a nossa cultura”, conta. Para isso, ensaiavam e praticavam seus instrumentos por até oito horas diariamente. 

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Antes de começar a gravar The Epic, Kamasi via que o sonho dele e dos amigos estava distante – conheça alguns dos integrantes da West Coast Get Down no quatro ao lado. “Estávamos gravando e tocando com outros músicos, mas não fazíamos nada para nós mesmos.” Para o disco, Kamasi convocou a todos, mas reunir os músicos também foi responsável pelo longo período de gestação do disco de estreia do saxofonista. 

E The Epic é uma jornada pela vida de Kamasi Washington dividido em três partes, The Plan, The Glorious Tale e The Historic Repetition (em tradução livre, seriam “O Plano”, “A História Gloriosa” e “A Repetição Histórica”). E o restante dos amigos músicos da Califórnia são parte importante dessa narrativa. Em The Plan, as canções são cheias de esperança. Vibram, justifica o saxofonista, porque representam a juventude dele e dos artistas amigos. “É o momento que sonhávamos com o nosso futuro.” 

A segunda parte dá conta dos anos depois dos estudos, quando Kamasi e companhia foram jogados para o mundo e rodaram em turnês e shows pelo globo com outros artistas. Aqui, as faixas têm uma intensidade latejante, como se fosse possível ver o suor escorrer da testa nas noites de shows seguidos. Por fim, o terceiro ato de The Epic chega no presente, na mudança e na liberdade de apresentar esse novo jazz, progressivo e fusion, para o mundo. 

4 DISCOS PARA CONHECER O JAZZ DA COSTA OESTE: 

‘The Epic’, de Kamasi Washington  Uma obra enorme, de quase três horas de duração, que funde as heranças africanas com vocais gospel e o saxofone tenor irritadiço do gigante Kamasi

‘Planetary Prince’, de Cameron Graves Filho de Carl Graves, criador do hit ‘Baby, Hang Up The Phone’, o pianista é uma figura central da cena de Los Angeles. ‘Planetary’ lançado há dois meses, é seu primeiro disco solo

‘Uprising’, de Miles Mosley Baixista e cantor, Mosley acompanhava Kamasi e, por vezes, mostrava algumas de suas músicas. ‘Abraham’, a segunda faixa de 'Uprising’, se inspira no funk dos anos 1970 

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‘Drunk’, de Thundercat Dos baixistas mais ousados que se ouve no jazz atualmente, Stephen Bruner, ou Thundercat, usa a eletricidade que corre no seu instrumento para colocar fogo nas canções. ‘Drunk’ tem a participação de Kendrick Lamar