Samba dá molho ao rap de Marcelo D2

Em seu segundo disco-solo, À Procura da Batida Perfeita, o vocalista do Planet Hemp faz uma mistura sonora irresistível e liberta o rap nacional da influência norte-americana

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Por Agencia Estado
Atualização:

Marcelo D2 modificou o rap: transformou o violão de Luiz Bonfá em base para suas rimas, chamou o filho de Bezerra da Silva para tocar percussão na sua banda e assumiu a paternidade do recém-nascido samba-rap. No seu segundo e novo disco-solo, À Procura da Batida Perfeita, o vocalista do Planet Hemp acertou a mão na receita para preparar um rap com sabor brasileiro. O aroma do álbum é carioca - no sotaque, na sonoridade remetente à bossa-nova - e exala uma saborosa evolução na mistura dos ingredientes refogados em Eu Tiro É Onda, seu primeiro álbum, de 1998. Para acertar a medida do tempero, no entanto, D2 desobedeceu um conselho de Paulinho da Viola. Na música Argumento (de 1975) o sambista pediu: "Tá legal, tá legal, mas não altere o samba tanto assim." O rapper desprezou os versos do mestre e botou o samba no liquidificador dos estúdios de gravação. Nesse processo, mudou os timbres, editou melodias, mexeu no andamento e o samba virou o molho do rap. O rapper percebeu a contradição, achou graça e decidiu recortar o trecho de Argumento citado acima para colar no final da faixa Maldição do Samba - provavelmente a melhor do disco. E pediu autorização do uso para seu criador. "Esse samba do Paulinho é inacreditável, ele vai contra tudo o que eu estou fazendo. Não sei se eu tenho tanto cacife assim para falar de samba, então achei engraçado colocar o sample de Argumento. É como se um cara mais sábio que eu entrasse no meu disco e falasse: ´Calma, não é bem assim´", lembra D2. "Eu sei que tem sambista que deve pensar que rap não é música, mas tem que ver que nós estamos em 2003. É difícil fazer samba de raiz." A dificuldade virou a solução. Sem a vocação para o cavaquinho ou pandeiro, D2 buscou as bases de samba com quem sabe fazê-las. Além de Paulinho da Viola, foram sampleados João Nogueira (Do Jeito Que o Rei Mandou), Marku Ribas (Zamba Ben), Luiz Bonfá (Bonfa Nova) e a dupla Antônio Carlos e Jocafi (Kabalurê). Na percussão de 8 das 11 faixas, foi escalado Tuca, o filho de Bezerra da Silva. Para a produção musical e mixagem, foi convocado o craque dos estúdios, Mário Caldato Jr. - conhecido, principalmente, pelo seu trabalho como produtor do grupo norte-americano Beastie Boys. Nos microfones, Marcelo D2. Neste álbum, ao contrário do anterior, ele preferiu não dividir os vocais com nenhum dos seus parceiros do Planet Hemp. "O Black Alien e o B-Negão participam de tudo que eu faço e, desta vez, pensei: ´Não vou chamar´. E já que eu não chamei nenhum deles, que são meus parceiros, decidi não chamar ninguém mesmo", justifica o rapper. Os únicos convidados a cantar em À Procura da Batida Perfeita são o norte-americano Will.I.Am (em C.B. Sangue Bom) e o filho de D2, Stephan, de 11 anos - ele faz parceria com pai em Lodeando... e mostra familiaridade com as rimas e o rap. "Ele escreveu algumas coisas, com aquela linguagem de criança, e eu achei legal. Depois, outro dia no carro, eu ouvi ele cantando e perguntei se ele queria cantar junto comigo", lembra D2. "A gente escreveu a letra junto, ele até deu alguns palpites." Nas letras, ninguém mais palpitou e as rimas bem-humoradas chegam para renovar o repertório monotemático do rap nacional. O diferencial do álbum, no entanto, está mesmo na sonoridade. D2 conseguiu fazer um disco coeso e inovador sem soar repetitivo e indicou a direção para o hip hop brasileiro se livrar da camisa de força norte-americana. "Estou apontando um caminho para o nosso rap encontrar uma identidade e o samba é a melhor coisa para buscar isso. Temos muitos bons rimadores no Brasil mas, musicalmente, ainda estamos engatinhando", diz. "Nesse sentido o (núcleo de produção) Instituto é a ponta do iceberg, reúne produtores que estão trabalhando bem. Mas é pouco ainda."

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