Ronnie Von volta a ser cultuado como cantor

Saem agora pela primeira vez em CD, pela gravadora Universal, o primeiro (de 1966, o do hit Meu Bem), Ronnie Von (1969) e A Máquina Voadora (1970)

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Por Agencia Estado
Atualização:

Bem-sucedido na televisão, há dez anos Ronnie Von abandonou a música. No entanto, o interesse de admiradores jovens e roqueiros provocou o lançamento de três de seus discos antigos, incluindo o cultuado álbum psicodélico/tropicalista. Saem agora pela primeira vez em CD pela Universal o primeiro (de 1966, o do hit Meu Bem), Ronnie Von (1969) e A Máquina Voadora (1970). Puxado por Silvia: 20 Horas, Domingo (Tom Gomes/Luís Vagner), o repertório do disco psicodélico compõe com um outro de canções avulsas um tributo duplo a Ronnie, Tudo de Novo, por novas bandas independentes, como Skywalkers, Continental Combo, Detetives e Astronauta Pinguim. As 30 faixas estão disponíveis para download grátis no site www.ronnievon.com. Quem tomou a iniciativa de relançar os álbuns originais foram Leonardo Rivera e Marcelo Von Press, por sua pequena gravadora Astronauta Discos. A idéia inicial, de lançar três álbuns, cresceu para um projeto mais ambicioso: uma caixa com seis CDs, incluindo mais dois títulos antológicos, A Misteriosa Luta do Reino de Parassempre contra o Império de Nuncamais (1969), e o outro tropicalista, Ronnie Von nº 3 (1967), que abre com Pra Chatear, de Caetano Veloso, em duo com ele. "Eles batalharam por esses relançamentos durante sete anos. Depois de entrar em contato com minha mulher e meu filho, Léo Von, que também tem uma banda de rock, Leonardo e Marcelo marcaram uma entrevista comigo, vieram para São Paulo e me disseram que estava tudo praticamente certo. A Universal tinha dito que cederia os fonogramas e faria o licenciamento", conta Ronnie. ´Absurdos´ "A gravadora não tem noção da minha obra. Eles ouvem falar muito dessa história desse disco de 1969 porque críticos musicais começaram a elogiar muito, tem comunidades no Orkut inteiras ligadas a ele. Então, é bastante evidente que, quando se ficou sabendo disso, não cederam os fonogramas, depois de tudo pronto, e resolveram eles mesmos lançar", diz Ronnie. Para o cantor, a inclusão do primeiro álbum no pacote é um absurdo. O que livra sua cara é o texto do encarte, extraído da entrevista que concedeu aos dois fãs. "A gravadora botou o texto exato, talvez não tenham nem lido, dizendo que eu não gosto do disco, que ele é ruim, na minha concepção é uma coisa trágica. Aí eu me senti bem. Porque é um documento. O disco está ali com Meu Bem, que eu gosto, é simples no último nível, mas é uma versão mais ou menos correta." Quando Ronnie fez estrondoso sucesso em 1966 com o compacto que tinha Meu Bem (versão de Girl) de um lado e You?ve Got to Hide Your Love Away, ambas dos Beatles, de quem era fã radical, a gravadora quis logo lançar um álbum. "Em uma semana eles fizeram todas as versões e todos os arranjos, eu não tive acesso a nada. Eles só me disseram o seguinte: você só tem de ir pro Rio para colocar voz no seu long play, amanhã. Peguei um avião em São Paulo, chovia muito. Quando cheguei, eles estavam me esperando no Santos Dumont, me levaram pro estúdio, botei voz no disco inteiro, peguei outro avião e voltei pra São Paulo porque tinha show à noite. Você acredita numa barbaridade dessa? É esse disco que está sendo relançado." Seu histórico de desilusão com a gravadora persistiu, até que surgiu a oportunidade da vingança, com o álbum psicodélico, gravado num momento de transição na gravadora. Mas sua ligação com o tropicalismo era anterior. Para começo de conversa, é bom que se esclareça que Ronnie Von nunca fez parte daquilo que hoje se generaliza por jovem guarda, embora nos arquivos, enciclopédias de música e congêneres apareça embrulhado no mesmo pacote, por uma ligação com o estilo iê-iê-iê, por causa da influência dos Beatles. [ Carreira "A mídia impressa elegeu esse nome porque era o programa do Roberto, e ficou sendo tudo a mesma coisa. E tudo que era ligado à Jovem Guarda tinha a conotação de algo menor, brega. Não quero me isentar em relação à obra que foi publicada em que eu era o titular, pelo contrário. Mas apelo veementemente sempre para essa história: eu não tinha nada a ver com aquilo que estava sendo lançado em meu nome", defende-se. "Nunca pisei no palco da Jovem Guarda, era até proibido aparecer no programa, não tinha ligação de afetividade ou mesmo identidade musical com eles", ressalta. Ronnie tinha um programa concorrente daquele comandado por Roberto Carlos. "Era um desenho diferente porque eu era mais ligado nas bandas inglesas, queria de certa forma não ser mais seletivo, mas algo próximo disso. Era música popular, mas eu queria uma certa distância daquela coisa extremamente popular, que era a Jovem Guarda." Seu programa no início só tinha ele e os Mutantes e estava meio na geladeira. Até que um dia o quarteto (ele, Rita Lee, Sérgio Dias e Arnaldo Baptista) mostrou uma versão Eleanor Rigby, com arranjo idêntico ao de George Martin, que o público ovacionou e a produção então contratou mais gente para participar do show. Na época, Ronnie, que escolheu o nome dos Mutantes, já tinha se aproximado de Caetano Veloso, Gilberto Gil e quis seguir com eles a aventura tropicalista. Foi frustrado, como sempre, por imposição da gravadora. "Só não fiquei com eles porque os empresários discutiram, brigaram e eu me alijei desse processo. Eu amava o tropicalismo, amo até hoje, acho que foi o último grande movimento musical brasileiro", diz o cantor, que se via como vítima "de um preconceito às avessas". Isso igual a todo mundo "que mexeu com música popular meio eletrônica e tinha eventualmente uma origem acadêmica", como era o caso dele. "Como você, que só gostava de música de cunho social, de música erudita, de jazz, vai se envolver com música de periferia, desses cabeludos ingleses? Eu cansei de ouvir isso", lembra. Ouviu também os diabos da própria família, que via nele um sucessor nos negócios financeiros. "Burguês de esquerda, que resolvia os problemas do mundo tomando champagne Don Pérignon nas coberturas de Ipanema" com os amigos, Ronnie diz que viveu "uma época romântica de grande fascínio". "Tudo bem, mas eu me encantei com os Beatles, não estava fazendo aquilo comercialmente, ao contrário. E queria de certa forma dar esse troco de mostrar instrumentos de música erudita com guitarra elétrica, porque o preconceito era esse." Publicidade e TV A cantora Elis Regina dizia não entender o que ele estava fazendo no meio daquele "monte de alienados". "Com o nível de informação que você tem, você tinha de estar fazendo uma coisa diferente", dizia ela. "Ela também me cobrava isso, depois ficou amiga. Até por causa da nossa formação acima da média, tínhamos o que conversar além de música", lembra. "Esse foi o caso meu com Caetano. Eu tinha muita identidade com ele, talvez porque ele fosse um dos poucos artistas de minha época que trabalhavam com música, que tinham alguma coisa a dizer. O pessoal da música popular brasileira ortodoxa radicalizava, ou seja, ?cai fora daqui, seu vagabundo?, era uma coisa meio por aí ". Depois da "vingança" em forma de psychedelic rock tropicalista, em 1972 Ronnie provocou outra surpresa ao gravar Cavaleiro de Aruanda, tema de umbanda composto por Tony Osanah. "Aí não tinha o dedo da gravadora. Foi uma coisa minha, você pinça em vários discos meus alguma coisa que não é aquela mesmice mercantilista que eles pretendiam. Mas era um momento de absoluta confusão. Se você quiser setorizar alguma coisa, dizendo que a partir de um certo momento eu segui um determinado rumo, vai ser complicado eu concordar." Ronnie sempre teve uma atividade paralela à música e hoje divide seu tempo entre a publicidade e o programa de TV Todo Seu (Gazeta). Não tem sequer um instrumento em casa. Seu último álbum, Estrada da Vida, saiu em 1996. A possibilidade de voltar a fazer shows ou gravar, por conta desse revival, em torno de sua obra é praticamente zero. "Você vê a que nível chegou o meu desencanto com gravadora. No momento em que a minha sobrevivência não dependia mais deles, aí vi que não tinha mais sentido. Errei a vida inteira, aprendi com meus erros. E o caminho da televisão, esse é um casamento indissolúvel. Estou vivendo a fase da paixão, do encantamento. A televisão brasileira é um equívoco, mas tento minimizar essa barbaridade que aconteceu com ela."

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