Rodrigo Rodrigues encanta com estilo Chet Baker

Álbum póstumo traz cantor paulistano interpretando clássicos americanos

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Por Agencia Estado
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Recriar clássicos do cancioneiro americano, seja de jazz ou rock, já caiu de tal maneira na vala da vulgaridade, que a simples menção de mais um álbum do gênero é de provocar bocejos. Mas faltava Fake Standards (Dubas Música), álbum póstumo de Rodrigo Rodrigues, para restabelecer o padrão de decência artística. Rod Stewart, Diana Ross e Barry Manilow são alguns dos que, em anos recentes, vêm atacando na área com extremo senso de oportunismo e zero de renovação. Rodrigo Rodrigues, morto em 2005 por leucemia, aos 44 anos, foi o mentor do grupo paulistano Música Ligeira, que se caracterizou por interpretar canções populares brasileiras e internacionais, com humor, criatividade, sutileza e bom gosto. O estilo de interpretação e instrumentação mínima se mantém em Fake Standards. Na maioria das faixas Rodrigues é acompanhado apenas de violão - por ele mesmo ou por Mário Manga, co-produtor do álbum, que foi gravado em 2001. Há intervenções esporádicas de cello (Manga e Adriana Holtz), vocais (Marcia Lopes), violino (Luiz Amato) e viola (Fabio Tagliaferri), além de outros que Rodrigues toca (clarineta, gaita e sax). Standards anos 50 A principal diferença entre o trabalho-solo de Rodrigues e do Música Ligeira está no repertório mais concentrado em standards popularizados até os anos 50, com exceção de Caramel (Suzanne Vega). Ao estilo cool de Chet Baker e João Gilberto (que por conseqüência evidente também lembra os momentos intimistas de Caetano Veloso), Rodrigues tem a manha de dominar canções que já ganharam registros definitivos pelas mais belas vozes do século passado - Ella Fitzgerald, Julie London, Frank Sinatra, Billie Holiday e o próprio Chet Baker - e ainda assim bater no paladar com uma excitação refrigerante. O violão de cordas de aço em Let?s Face the Music and Dance (Irving Berlin), Love me or Leave me (Walter Donaldson/Gus Kahn), as duas primeiras faixas, conferem uma sonoridade folk às canções, o que não afeta de maneira alguma sua essência. Caramel se desenha em cadências de bossa nova; uma gaita bluesy atravessa o ambiente onírico de Laura (David Raksin/Johnny Mercer); Cry me a River (Arthur Hamilton), por mais que se tenha desgastado, ainda vale uma lágrima na voz dele. Há detalhes primorosos como o solo de violão em harmonia com a clarineta em September Song (Maxwell Anderson/Kurt Weill); o duo vocal com Marcia Lopes em Isn?t a Lovely Day (Irving Berlin). A malemolência da sorridente Sweet Lorraine (Mitchell Parish/Cliff Burwell) tem efeito equivalente a boas doses de vinho. Com belíssimo arranjo de cordas de Tagliaferri, I Get Along Without You Very Well (Hoagy Carmichael) é talvez o momento mais tocante do CD. As inflexões de Rodrigues nessa canção às vezes lembram Caetano; o violão na introdução de My Funny Valentine (Richard Rodgers/Lorenz Hart), que encerra brilhantemente o álbum, também remete ao que o compositor baiano tocou em sua versão de Cais (Milton Nascimento/Ronaldo Bastos). Pode não ser mera coincidência. Rodrigues era pródigo em citações e há algumas delas quase imperceptíveis ao longo de Fake Standards. Admiração de Caetano Vale lembrar que Caetano era um grande admirador de Rodrigues e até o convidou para participar de seu show no Bar Baretto, em São Paulo, em 2003, pouco antes de lançar seu CD de standards do cancioneiro americano A Foreign Sound (2004). O encontro, no medley com Night and Day/Ho-ba-la-la (Cole Porter/João Gilberto) está registrado no DVD do Música Ligeira, lançado em 2006. Dono de voz afinada, extremamente cuidadoso com o repertório, Rodrigo Rodrigues tinha qualidades que se detecta em pouquíssimos cantores brasileiros. Cantava ?maravilhosamente bem?, como disse Caetano. Não que precisasse desse aval, mas... Foi ele quem levou para o Música Ligeira a bagagem jazzística, enquanto Tagliaferri trouxe erudição e Manga, o lado mais pop e brincalhão. O título de Fake Standards é uma cartada de humor que Rodrigues traz do ML, embora tenha abdicado da irreverências nas interpretações, mas de fake (falso) o álbum não tem nada. É finíssimo e genial de ponta a ponta. Como diz Manga, ?um CDzaço que demorou pra sair, mas veio pra ficar?.

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