Rock in Rio testa a força de seu conceito em ano de crise e pessimismo

Três décadas depois da primeira edição em clima de otimismo pré-democracia, festival estreia temporada em ano de economia sombria

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Por Julio Maria
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À revelia das estratégias de um arquiteto do entretenimento, o Rock in Rio de Roberto Medina vai passar, a partir de sexta-feira, 18, por uma de suas mais desafiadoras edições desde que surgiu, em um improvável e lamacento 1985. Medina bate no peito e diz com bons argumentos que se fez o que fez numa época em que o Brasil era uma selva aos olhos dos incrédulos empresários estrangeiros, fará de novo e muitas vezes. Só é bom lembrar que o rock, o Rio e o Brasil não são mais os mesmos. Se em 1985 sentiam-se os ventos de otimismo soprados na nascente da democracia, 30 anos depois são todos atingidos por um caminhão desgovernado. A saída do rock é a nostalgia. A do Brasil, ninguém sabe.

A Cidade do Rock, durante a edição de 2013 Foto: Divulgação

As estruturas da monumental Cidade do Rock, no isolamento de Jacarepaguá, parecem firmes. Medina negociou suas atrações quando o dólar ainda não havia chegado a R$ 3, o que preservou sua saúde mental e financeira. Ainda assim, e por outras questões, não fechou uma programação indispensável em nenhuma das noites. Metallica está de volta, Elton John está de volta, System of a Down está de volta, Slipknot, Rihanna, Katy Perry, todos de volta. E os que não voltaram por falta de uma política de curadoria mais agressiva e inspirada, amparam seus flashbacks no conceito. Ao comemorar seus 30 anos, o Rock in Rio ganha tempo e carta branca para também trazer de volta Paralamas do Sucesso, Lulu Santos, Erasmo Carlos, Ney Matogrosso e o emblemático Queen com o jovem Adam Lambert no lugar de Freddie Mercury, uma peça de magnetismo ainda em teste para a renovação de suas plateias. Além dos prejuízos que um câmbio punitivo impõe às contratações de um festival, um outro detalhe dificulta cada vez mais a surpresa e o ineditismo. Ídolos de aço são criações de gravadoras, não da internet. E esta geração que um dia criou o próprio conceito de festival está morrendo. Black Sabbath, Eric Clapton, Who e Rush já anunciaram suas despedidas das grandes turnês. Roger Waters e AC/DC não estarão mais em cena em 10 ou 15 anos. Keith Richards vai ter que procurar outra banda para exercer sua eternidade. Não há mais no mundo muitos artistas capazes de colocar 85 mil pessoas em uma praça de show. Pelas contas de Medina, eles não passam de 25. E então, por mais dura que pareça a frase que o empresário não diz, é ela que deve reger cada vez mais o festival para que ele sustente sua tradição bienal: o rock, neste contexto, será cada vez menos importante. “Acho que a tendência é fazer com que a experiência, em geral, seja cada vez melhor do que a atração maior do palco principal.” O empresário acredita que a salvação para a crise de ídolos de massa seja seu próprio conceito de ‘parque de diversões’. Ao colocar roda gigante, montanha-russa, tirolesa, áreas gourmet e lojas bem decoradas na Rock Street, ele ameniza o protagonismo daqueles que naturalmente seriam os protagonistas em formatos clássicos de festival e dilui os focos de entretenimento. “É muito comum ter um artista de primeira linha no palco enquanto há uma fila enorme na montanha-russa ou na tirolesa.” Essa já parece uma vitória consolidada ao menos parcialmente, uma vez que milhares de pessoas compram seus ingressos no escuro, antes de saberem quais serão as atrações. Ao mesmo tempo em que reforça sua ‘rockland’, Medina pensa como o empresário. Quando precisa ter certeza de que o retorno de público será garantido em determinado dia, aciona a tecla ‘Metallica’. Ao todo, contando as vezes em que a banda se apresentou no Brasil e em edições da marca no exterior, esta será a sétima. Ele responde sobre o assunto dizendo a frase “não me importo com o que vocês da imprensa pensam” de uma forma um pouco mais polida. “Sim, existe esse ponto da repetição, mas a questão é que eu tenho de agradar ao cara que quer comprar o bilhete. E se eu botar o Metallica todo ano, ele vai lotar todo ano. Essa questão que você levanta procede, é um debate acadêmico, mas eu tenho pouca gente para variar.” Ainda que veja o cenário com preocupações, Medina não pode ser acusado pelo clichê de traidor do movimento. Sem julgamentos do valor de cada banda que passa por seus palcos maiores nestes dois próximos finais de semana, o Mundo e o Sunset, o rock está mais presente agora do que em 1985, e os camisas pretas, fãs do metal e das ramificações mais pesadas do tronco originário do rock and roll, são os que mais deveriam comemorar. No dia 19, sábado, eles terão Mötley Crüe e Korn, além de Metallica e de toda as demais bandas do Sunset. Na semana seguinte, dia 24, quinta, System of a Down e Queen of the Stone Age. Um dia depois, Slipknot, Mastodon, De La Tierra e Faith no More. Os que dizem que em 1985 é que o Rock in Rio era mais rock deveriam se lembrar de que passaram por aquele palco Elba Ramalho, Alceu Valença, Ney Matogrosso, James Taylor e um assustado Erasmo Carlos. “Eu tomei vaia porque cantei no dia dos metaleiros. A gente não sabia que havia uma tribo dos metaleiros. Não sabíamos nem que havia tribos”, diz Erasmo. O Rio de 30 anos depois do primeiro festival, quando incríveis 1.380.000 pessoas se reuniram por dez dias em uma área de 250 mil metros quadrados, é sempre um fator de risco. O que se deve preservar da edição de 2013 é o sistema de transporte saindo de terminais na Barra direto para a Cidade do Rock. Uma operação ágil, que sufoca o oportunismo dos taxistas. Contra, neste ano, deverá ser o acesso ao portão principal, na Avenida Salvador Allende. As obras municipais do BRT, os ônibus de interligação, estão neste momento estrangulando as vias de acesso. As massas terão de ter paciência. Já o rock de 30 anos depois, ainda que feito muitas vezes pelos mesmos representantes, continua tendo o poder de ser, sobretudo no Brasil de hoje, a única força capaz de reunir 600 mil pessoas em um mesmo lugar, cantando uma mesma música. 

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