PUBLICIDADE

Rincon Sapiência volta à carga explorando ritmos diferentes em 'Mundo Manicongo'

Depois da consagração com seu primeiro disco 'Galanga Livre', rapper assume de vez papel de direção executiva da própria carreira com seu segundo álbum

Por Guilherme Sobota
Atualização:

Os últimos dois anos foram concorridos para Rincon Sapiência. O rapper paulistano lançou Galanga Livre em 2017, seu primeiro disco, que na verdade coroava uma carreira de 15 anos no underground do rap nacional. O álbum trouxe adoração do público, crescimento da sua plataforma e consagração crítica. Rincon foi o artista do ano em música popular na premiação da Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA), e seu disco figurou no topo de diversas listas de melhores do ano. Dois anos depois, o músico volta a lançar um álbum com Mundo Manicongo: Dramas, Danças e Afroreps, já disponível nas plataformas digitais.

PUBLICIDADE

Se em Galanga Livre Rincon consolidou o seu flow (o modo de cantar as rimas, elemento central do rap) inconfundível em meio a batidas puxadas pelo afrobeat, misturando as percussões de origem africana com o hip hop, o funk e os ritmos brasileiros, com Mundo Manicongo ele explora outras regiões sonoras, mas sem perder suas marcas pessoais.

O disco é encharcado por uma produção eletrônica que vai do grime (ritmo de graves profundos criado na Inglaterra) ao minimalismo do funk brasileiro, mas também dialoga com o pagode baiano (representado no disco pela banda Attooxxa) e com os “afroreps” do título. Aqui, porém, as percussões aparecem mais sintetizadas do que antes. “Pegada funk, tipo Guimê / Mas o meu tambor vem da Guiné”, diz em Meu Ritmo, uma espécie de música-ensaio, que pensa sobre a própria produção. “Essa aqui é mais uma pra gente entender o como o nosso lugar e o continente africano não é tão longe”, diz o músico, no começo da gravação.

Rincon Sapiência. Busca incansável por novos caminhos no disco 'Mundo Manicongo' Foto: Alex Silva/Estadão

“O lance da música contemporânea é rápido”, diz Rincon ao Estado, numa casa na zona oeste de São Paulo, após um ensaio. “Como eu sou muito minucioso no que faço, e reluto para não cair em redundâncias, para mim foi desafiador, e eu precisava de um tempo. Não queria fazer o mesmo. Precisava explorar coisas minhas, sem ser forçado, e que eu ainda não explorei com todo o potencial. O eletrônico e a dança apareceram muito fácil, porque é o contemporâneo: os recursos de tecnologia, de teclados e softwares, já sugerem esses timbres e linguagens.”

O capa do disco também dá dicas sobre a estética desejada por Rincon em sua nova fase. A colagem do artista visual cearense radicado em São Paulo Flagelado cria uma espécie de HQ surrealista, em que o rapper aparece como um gigante em frente aos prédios da Cohab 1, bairro da Zona Leste de São Paulo onde nasceu e cresceu, e a arte tem a cara de uma viagem psicodélica. A fusão com a psicodelia aparece em diversos momentos do álbum, especialmente na produção – função que Rincon Sapiência assumiu no novo trabalho com mais protagonismo do que nos seus álbuns anteriores.

Capa do disco 'Rincon Sapiência', de Rincon Sapiência, com arte de Flagelado Foto:

Rincon Sapiência: Controle sobre a própria carreira

Além da produção dos beats, que ele faz desde o início da carreira na música há pelo menos 15 anos, o rapper paulistano assumiu um papel mais abrangente de direção executiva no seu novo disco. Seja buscando artistas para parcerias (são várias, entre elas Mano Brown), seja criando e dirigindo a execução dos arranjos e, também, lançando o disco pelo seu novo selo MGoma, o primeiro lançamento em um ano de atividade da empresa.

Publicidade

“Nesse disco, todas as decisões, de tamanhos, texturas e timbres das músicas, tudo passou por mim”, explica o músico. “Eu assumo um protagonismo diferente do Galanga Livre. Com o tempo a pessoa fica mais experiente. É muito louco escrever algo e ver alguém que canta muito bem cantar o que eu escrevi. Eu arranjo nos teclados, mas ver alguém fazer um groove de guitarra dentro de uma composição harmônica minha... Me senti um maestro. Um técnico que posiciona os jogadores.”

Mundo Manicongo é também fruto das experiências que Rincon acumulou nas portas que Galanga Livre lhe abriu. Viagens a trabalho para diferentes regiões do nordeste – especialmente a Bahia, destaca – e para a Europa, Lisboa e Paris, tendo contato pessoal com artistas muito ligados à diáspora africana, colocaram o músico em um lugar confortável para explorar. “A troca de figurinhas além de São Paulo ajudou muito na concepção do disco”, conta.

“Os contatos começam na internet, mas quando se pisa no lugar, dá para entender tudo o que estava ouvindo em casa”, conta. “Com a tecnologia consigo ter acesso à percussão baiana, mas ir até a Bahia e ver o cara tocando, é outra experiência.”

Duas faixas – Mundo Manicongo e Amor e Calor – surgiram em Lisboa, com o produtor guineense Mazbeats. Rincon estava na Europa trabalhando com uma equipe, e ficou sozinho por um período na capital portuguesa. O “santo bateu” e com algumas noites inspiradas eles combinaram produções instrumentais e versos afiados. “Esse tipo de relação pessoal, internacional, fez toda a diferença nesse disco. Se fosse só pela internet, não haveria o mesmo resultado.”

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

A missão de Rincon era entregar um disco diferente do primeiro, e pelas músicas do novo trabalho fica claro que ele conseguiu – “mete dança” virou um bordão do rapper nas suas plataformas, e Mundo Manicongo é um álbum que traz em diversas canções o contexto da dança. Mas questões que sempre foram caras ao rapper, como autoafirmação e valorização das culturas negras e periféricas, também aparecem.

“A periferia consegue ter identificação com que a periferia produz, porém, por serem periféricas, as produções acabam ficando numa categoria de subgênero ou num campo de posições não tão relevantes”, reflete. “Considerando que quando a bossa nova surgiu, ela surgiu como algo novo, nem samba, nem jazz, isso impactou e foi muito reverenciado. Quando ouço o bregafunk, isso também é novo, não existe em lugar nenhum do mundo. E não é nem funk nem brega. Mas aí passa despercebido. Parece que os produtores de rap e funk fazem coisas espontâneas, e quem pensa são os outros. Sendo que na verdade a gente pensa para fazer, por mais minimalista que seja às vezes.”

O artista vê a cultura periférica de forma “invisibilizada” em espaços que atraem mais gente – e cita o caso de Kevin O Chris no Lollapalooza 2019. O MC carioca foi convidado pelo rapper americano Post Malone e fez o público do festival urrar com duas de suas canções, dois dos maiores hits do ano. “Por que não um show do Kevin O Chris? Precisava o Post Malone convidar? Isso podia ser vários outros artistas. Nesses momentos, vejo que o nosso processo de reconhecimento demora mais, por conta da origem da música.”

Publicidade

Ouça o disco Mundo Manicongo, de Rincon Sapiência:

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.