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Riachão faz música popular com alegria

Malandro sambista baiano, autor de Cada Macaco no seu Galho, se apresenta amanhã e sexta em São Paulo no lançamento do disco Humanenochum

Por Agencia Estado
Atualização:

"Chô Chuá, cada macaco no seu galho. Chô Chuá, eu não me canso de falar. Chô Chuá, o meu galho é na Bahia. Chô Chuá, o seu é em outro lugar..." Riachão, em entrevista, não parava de cantar seus versos. São do clássico Cada Macaco no Seu Galho, gravado por Caetano Veloso e Gilberto Gil em 1972. Também não se cansava, não entregava os pontos para o horário, quase meia-noite, sendo que costuma dormir às 20h30, e cantava outros: "Minha vida é alegria. À tristeza não dou bola. Se surgir algum problema. Com o samba resolvo na hora." Esse malandro, que completa 80 anos em setembro, é um grande artista da música popular, mesmo tendo ficado no ostracismo por décadas. Com Batatinha, morto em 1997, é um dos pilares do cancioneiro soteropolitano. Amanhã e sexta-feira ele se apresenta na cidade lançando o CD Humanenochum (produzido pelos músicos Paquito e J. Velloso), no Sesc Pompéia. A vinda a São Paulo deve-se também à iniciativa do compositor Carlos Rennó, co-diretor artístico do show. Como no verso de seu samba-de-roda, Camisa Molhada, onde chega, está chegado. A beca, sem exagero, impressiona. Paletó xadrez combinando com meia, vermelha, que combina com lenço. Camisa, calça e boné brancos. "É estilo para fazer charme", ensina o velho malandro, que hoje não faz questão de ostentar o significado de Riachão, o valente. No seu caso, não podia ser diferente. Tinha na adolescência Lampião como ídolo. Coitado daquele que não fosse justo, desrespeitasse os idosos, fosse um cara folgado. "Fui menino travesso, briguei muito. Hoje tenho tristeza de falar isso. Não era malvado, era xerife, mas não criei meus filhos assim." A sabedoria de homem comum reflete-se em outros atos, pois a recordação triste do tempo de valentia é ínfima em relação à alegria de Riachão. "Basta dizer que nasci no Garcia (hoje bairro de Salvador, mas, na ocasião, era uma fazenda arrendada) e que lá espero ficar para sempre." Ele explica: "Ali, vivo como o meu pai, plantando aipim, quiabo, jiló, banana, goiaba, abacate. É uma moradia cheia de plantação e nela me sinto feliz. Gosto muito de plantar, mas não sei fazer como o pessoal do interior. Faço pelo costume, pelo que aprendi com o meu pai. Na terra, tudo brota." E completa: "Vivo com a minha nega, a linda Dalva, a quem dedico toda a minha vida." Além disso, o cantarolar e o assoviar são parte da sua cartilha. Começo - Riachão não pontua sua carreira por um efêmero lançamento de disco. De visão ampla, ele volta ao princípio da música brasileira. "O Brasil nasceu na Bahia. Vieram os africanos e ali se formou o samba-de-roda", define, sem muitas explanações. "Eles trouxeram tudo da África e que foi sendo cultivado, já ao nosso modo, tornou-se o samba-de-roda. Mas o Rio, mais tarde, lapidou esse samba. Então, muita gente acha que o samba nasceu ali. O samba, na verdade, passou para uma outra classe, ficou mais estilizado, mais gostosinho, mais para dançar para todos. Foi o Rio que o engrandeceu." Foi nesse ambiente, do samba-de-roda, que Riachão se criou. Seus pais eram de Cachoeira, cidade da rica região cultural do Recôncavo Baiano. "Meus pais jogavam muita capoeira. São de uma terra de muitos escravos, que tem grande força. Nela, os homens do passado faziam a sua festa. Eu venho com esse sangue, essa coisa do princípio do Brasil. Essa é a realidade." Embora Riachão seja semente desse começo de Brasil, a sua criação é ligada, desde o início, nas tendências do mercado. Naquela circunstância, quando tinha 15 anos, esse mercado olhava para o samba de Noel Rosa, Vicente Celestino e Francisco Alves. "Sou dessa semente, mas também tenho o dom para o samba estilizado, esse criado pelo Rio, choro, tango e música sertaneja (de raiz). Eu o aprendi através do rádio. Meus pais não podiam comprar uma radiola, mas o vizinho..." Desde os 9 anos, Riachão canta. "Cantava no circo, nas festas de Santo Antônio, São Cosme. A Bahia sempre foi festiva, farrista. Era muito mais do que hoje! O povo comia em prato de lata, era uma pobreza sem tamanho, mas uma riqueza no coração sem igual. Tinha tanto violão na minha terra, menina, que não consigo contar. E cavaquinho, bandolim, tudo aos punhados", mitifica. Era mais Clementino Rodrigues do que Riachão. Começou a compor aos 15 anos por valentia - porém, não se recorda de ter feito música falando dessa característica. "Eu vivia cantando as músicas do Rio. Nessa idade, eu trabalhava como alfaiate. Um dia, passando na Rua da Misericórdia, vi no chão um pedaço de revista. Curioso, li, mesmo não tendo grande estudo. Estava escrito: Se o Rio não escrever, a Bahia não canta. Tomei aquilo como mágoa e, no mesmo dia, Jesus colocou o verso no meu juízo" conta. "É assim: sei que sou malandro, eu sei. Conheço o meu proceder. Deixa o dia raiar. A minha turma é boa para batucar. " Riachão chegou à Rádio Sociedade da Bahia, do grupo de Assis Chateubriand, cantando uma bela toada caipira, com 23 anos. Aqueles que o conheceram na época sustentam a história de que qualquer um que se apresentasse após Riachão era praticamente desmoralizado, tamanha vocação para o palco do malandro. Nesse sentido, Riachão é pai dos trios elétricos, da expressão "sai do chão", como observa o produtor Paquito. Empregado da rádio, ele trabalhava não só como cantor, mas também animando os auditórios e as festas nas ruas promovidas pela empresa. Numa dessas folias, a rádio convidou Jackson do Pandeiro, sempre acompanhado da sua mulher, Almira. Riachão cantava a marchinha Judas Traidor. Jackson ficou, segundo Riachão, alucinado e saiu cantando junto. Almira também. Depois disso, Jackson gravou Saia Rota e Meu Patrão. Ficaram amigos e Jackson e Almira comeram a feijoada de Riachão. A história de sucesso de Riachão foi interrompida pela chegada da TV na Bahia. A rádio acabou com sua programação e o novo meio de comunicação não o quis. Sem mágoas, foi procurar emprego e criar os filhos. Até porque durante a vivência na rádio, conseguiu fazer sua casa. Até aposentar-se, no ano passado, trabalhou no Desenbanco como contínuo e adorava. "Passava o dia cantando", diz. Entretanto, sua carreira foi reabilitada por intermédio dos músicos Paquito e J. Velloso, que apostaram na gravação e produção de Humanenochum, um maravilhoso CD. Entre as participações especiais há Tom Zé dividindo o vocal em Cada Macado no seu Galho, Dona Ivone Lara em Até Amanhã, Caetano Veloso em Vá Morar com o Diabo (recentemente regravada por Cássia Eller) e Carlinhos Brown em Pitada de Tabaco. Produzido no estúdio de Brown, no Candeal, Humanenochum é um acontecimento. É especial não só para a carreira de Riachão. Tom Zé conta que o dia da gravação foi uma experiência de graça e aprendizado. "Ele, com seu charme conhecido, dirigia e orientava a mim quanto ao próprio produtor do disco, Paquito. Depois que ouvi o disco, vi que ele estava certo, tinha toda a razão no seu procedimento, porque é um verdadeiro craque, um cantor e compositor de tirar o chapéu", relata Tom. Como canta Riachão, "se agrade se quiser". Humanenochum começou com Diplomacia, de Batatinha de 1997, também produzido por Paquito e J. Velloso. Riachão, segundo Paquito, é oposto complementar de Batatinha, "melancólico". Os dois são pilares da música popular baiana. Batatinha morreu no ano de lançamento de Diplomacia, aos 72 anos. Riachão, aos 76, era o único convidado contemporâneo e amigo de Batatinha, mas não parceiro. A idéia surgiu ali. "Riachão é pop antes de existir a indústria do disco na Bahia. Todos cantam a Baleia da Sé. Ele faz música para ser consumida hoje, porque tem relação com a música feita hoje. Tem música sobre camisinha", diz Paquito. O show terá a presença de Tom Zé, na sexta-feira, e, entre os ótimos acompanhantes, Sabiá, contemporâneo dele. Chegou. Riachão - Quinta e sexta-feira, às 21 horas. De R$ 7,50 a R$ 15,00. Teatro do Sesc Pompéia (Rua Clélia, 93); tel. 3871-7700. Até sexta.

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