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Reta final do Festival de Campos tem Ramón Vargas

Elogiado integrante de uma nova safra de tenores, o mexicano apresenta-se amanhã ao lado da pianista Mzia Bachtourize. Festival acaba neste fim de semana

Por Agencia Estado
Atualização:

O tenor mexicano Ramón Vargas faz amanhã à noite no Auditório Cláudio Santoro, em Campos do Jordão, interior de São Paulo, um recital de árias de óperas e canções, acompanhado pela pianista Mzia Bachtourize, maestrina do Teatro Alla Scala de Milão. Um dos integrantes da nova safra de tenores que, aos poucos, substituíram a geração do trio Carreras-Pavarotti-Domingo nos principais palcos de ópera do mundo, Vargas é uma das atrações do último fim de semana do Festival de Inverno, que se encerra oficialmente no sábado com concerto da Sinfônica do Estado, a ser transmitido ao vivo pela Rádio e TV Cultura. "Escolhi um programa que pudesse mostrar um pouco do que é minha carreira e meu repertório para o público brasileiro, com quem estou tendo contato pela primeira vez", explica Vargas. Em outras palavras, árias de Donizetti (Angelo Casto e Bel, da ópera O Duque de Alba, e Una Furtiva Lagrima, de O Elixir do Amor), Gounod (L´Amour..., de Romeu e Julieta), Cilea (Lamento di Federico, da L´Arlesiana) e Verdi (Forse la Soglia..., de Um Baile de Máscaras). Na segunda parte, canções de Manuel Ponce, Ignacio Esperón, Francesco Tosti, Cesare Bixio, Leoncavallo e Rossini. Aos 39 anos, Vargas é hoje uma das mais belas vozes a interpretar o repertório bel-cantista, o da ópera italiana da primeira metade do século 19. Dono de timbre raro, agilidade impressionante e interessante naturalidade de emissão, ele traz no currículo apresentações com grandes maestros e orquestras e algumas gravações, das quais se destaca o registro que fez da Favorite de Donizetti, em sua versão original francesa, ao lado da búlgara Vesselina Kasárova. Também já dedicou dois discos a árias de Verdi, o mais recente lançado no ano passado. Papéis verdianos, no entanto, ele ainda não enfrenta em grande quantidade no palco, diz que prefere esperar. "Um cantor precisa ter muita paciência. Comecei minha carreira no México vendo artistas transformando-se em estrelas, subindo vertiginosamente, mas depois caindo, vítimas de equívocos com relação a seus tipos de vozes e repertório adequado." Início - Vargas, de fato, parece ser um cantor ciente de suas possibilidades, isso se percebe na conversa com ele e na comparação de seu tipo de voz com a lista de papéis que ele interpreta. E não seria demais supor que esta preocupação está ligada diretamente ao início de sua carreira e os problemas que enfrentou com professores e maestros. Atraído pela música por meio de programas de rádio e da Igreja, ele começou seus estudos com um professor que, além de orientá-lo em direção contrária à natureza de sua voz, o desencorajou logo cedo a prosseguir carreira. "Um professor ou maestro pode destruir a voz de um aluno, o mais importante é o autoconhecimento, é saber exatamente o que você pode ou não fazer." Foi o que ele fez e, após um período de afastamento, voltava à cena vencendo o concurso Enrico Caruso na Itália. "Devagarzinho, minha voz foi amadurecendo e eu fui respeitando este processo." Além do concurso, uma outra gratificação surgiu mais tarde: como já aconteceu com muitos outros cantores, Vargas teve sua grande chance ao substituir às pressas um grande tenor em algum grande palco do mundo. No caso, Pavarotti em uma Lucia, no Metropolitan de Nova York. A crítica classificou essa estréia como "fenomenal" e o resultado foi uma série de convites - Viena, Berlim, Paris, Londres, Milão. "Dá-se, muitas vezes, importância demais ao professor, o que é ruim quando isso significa deixar de lado as características originais de um cantor. Houve uma época em que todos queriam estudar com o professor de Pavarotti. Mas nem todo mundo é como Pavarotti. E Pavarotti, sem dúvida, seria o que foi com ou sem esse professor." Diversão - "Canto para me divertir, não sei fazer isso de outra forma", diz Vargas, que aponta influências como Gigli, Caruso ou Pavarotti. "São símbolos de um canto direto, natural. Hoje, os valores parecem ter mudado, procura-se mais o efeito do que a verdade, o que importa é que pareça real, mesmo que não seja." Mas o problema parece não ser só esse. "Antigamente, aprendia-se canto desde cedo, ouvindo grandes cantores ao vivo em temporadas de teatros grandes ou pequenos. Hoje, o parâmetro é o disco. Só que as gravações, muitas vezes, não mostram o trabalho do cantor de modo real, mas adulterado por truques tecnológicos." Isso, segundo ele, impede que se chega à "natureza da arte". Culpa da indústria, de um sistema viciado, o mesmo que cria e derruba as estrelas a que ele se referia quando lembrava do início da carreira no México, que fazem do teatro um "mundo falso, que te eleva à condição de Deus e, de uma hora para a outra, te joga em direção ao esquecimento". E como lutar contra a indústria? "Não se trata disso, é preciso saber trabalhar levando em consideração sua existência. E isso é responsabilidade de todos, dos artistas, do público, da mídia." Para Vargas, o que falta é gente de opinião, que saiba avaliar os trabalhos dos artistas de modo justo e não influenciado pelo marketing. Um exemplo: "O Pavarotti do ínicio da carreira, com relação ao de hoje, recebia aplausos mais discretos, mas cantava muito melhor, em gravações históricas como algumas das que fez com Joan Sutherland." Encontro - Vargas chegou a São Paulo no início da semana e ensaiou no Teatro Municipal. Disse que gostaria muito de cantar no "belo" teatro, onde assistiu a um ato da montagem de Macbeth, em cartaz atualmente. Informações não oficiais dizem que queria ouvir a orquestra, vontade que surgiu após encontro com o diretor musical Ira Levin. Futuros projetos por aqui? Pelos corredores, fala-se em um Werther, de Massenet, mas nada foi confirmado até agora. Só resta esperar ansiosamente. 33.° Festival de Inverno de Campos do Jordão. Sexta, às 21 horas, Ramón Vargas (tenor) e Mzia Bachtourize (piano). Auditório. De R$ 10,00 a R$ 50,00. Os ingressos podem ser adquiridos pelo tel. 6846-6000; nas bilheterias da Sala São Paulo. Praça Júlio Prestes, s/n.º, tel. 3337-5414, no Auditório ou na Praça do Capivari. Auditório Cláudio Santoro. Rua Arrobas Martins, 1.880. Alto da Boa Vista, tel. (0 -- 12) 262-6000; Igreja de São Benedito. Rua Macedo Soares, 55; Capivari. Desc. 50% p/ ass. e acomp.

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