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Renasce o culto ao sambista Zé Ketti (1921-1999)

DVDs, disco de inéditas e a edição deste ano do Prêmio TIM dedicada a ele

Por Agencia Estado
Atualização:

O compositor Zé Ketti (1921-1999) é o cara do momento. Coincidência ou não, o DVD com sua entrevista para o Ensaio, na TV Cultura, em 1991, chega às lojas, junto com a homenagem que o Prêmio TIM de Música lhe prestará em 16 de maio e sua filha, Geisa Ketti, anuncia um disco com inéditas cantadas por Marcelus Villaça. Até o fim do ano, saem em DVD os filmes Rio Zona Norte e Rio 40 Graus, de Nelson Pereira dos Santos, ambos com participação fundamental de Zé Ketti. Não que o compositor de Máscara Negra estivesse no ostracismo ou não tenha recebido flores em vida. Pelo contrário, suas músicas estão no repertório de cantores iniciantes ou consagrados (como Zé Renato, que lhe dedicou um disco) e ele recebeu o Prêmio Shell de música em 1998. Mas, diz Geisa, "ele é prestigiado, mas não reconhecido à altura do talento e da importância. Tanto que não encontramos distribuidora para seu disco de inéditas". Ele é fundamental na música brasileira por suas mais de 300 músicas, alguns poemas e melodias à espera de letra e por ter sido agitador cultural e batalhador da dignidade da profissão de sambista, quando ninguém pensava nisso. O cineasta Nelson Pereira dos Santos, que o conheceu no início dos anos 50, lembra. "Fomos apresentados no Vermelhinho, bar da Cinelândia, pelo jornalista Vargas Júnior, que era seu parceiro. Ali, pela primeira vez, ouvi A Voz do Morro ("Eu sou o samba/A voz do morro sou eu mesmo, sim senhor..."), ainda inédita", conta Nelson. "Ele me ciceroneou nas rodas de samba de Madureira e adjacências, me apresentou a Natal da Portela, a Candeia e até virou personagem de Rio Zona Norte. Mas o filme é muito triste e ele era só alegria." Facetas de Zé Ketti A Voz do Morro virou hit em 1955, quando Nelson lançou seu primeiro longa, Rio 40 Graus, obra inaugural do Cinema Novo, de 1955. Foi um escândalo porque a música sonorizava um vôo sobre a cidade e o verso "eu sou o rei dos terreiros" coincidia com a imagem no rosto do Cristo Redentor. "Foi proposital, para a imagem rimar com a música. A Igreja não ligou e o frei Secundino, nosso amigo, até concordou que Cristo era mesmo rei dos terreiros cariocas. Quem não gostou foi o chefe de polícia que tentou censurar", lembra Nelson. "Mas nada disso atrapalhou nossa amizade. Fomos parceiros até sua morte e batizei um de seus filhos. Por isso, intitulei de Meu Cumpadre Zé Ketti o curta póstumo sobre ele, que deve entrar como entra do DVD Rio Zona Norte. Além de grande amigo, ele era ótima companhia." Zé Ketti era uma figuraça, como evidencia o DVD Ensaio Descontraído, ele fala da infância entre Inhaúma e Madureira, das festas que o pai, o flautista e pianista João Dionísio Santana, promovia em casa. Generoso, começa cantando Avenida Iluminada, marcha dos carnavais de salão dos anos 60 e 70, de Newton Teixeira e Brasinha. Só depois vem Máscara Negra, seguida de Quem me Vê Sorrindo, da Carlos Cachaça e Cartola, seus amigos, embora fundadores da Mangueira, maior rival de sua querida Portela. Ele canta sucessos como Acender as Velas, Diz Que Fui por aí e Opinião, que Nara Leão gravou em seus primeiros elepês e que fizeram, pela primeira vez, a ligação do morro com o asfalto. Não que ele fosse desconhecido antes disso. Zé Ketti organizou grupos com Elton Medeiros (seu parceiro em Mascarada), Nelson Sargento e outros e, embora boêmio e festeiro, levava a sério a luta pelo direito do compositor e liderava seus companheiros menos articulados. No DVD, ele conta como esse prestígio lhe salvou a vida e deu origem ao belo e pouco conhecido samba Menino do Morro, crônica amorosa que é melhor não antecipar. Os grandes sucessos como Malvadeza Durão e Nega Dina estão lá, ao lado de sambas preciosos e quase inéditos como o sincopado Tio Sam no Samba ou os quatro para a Portela, que encerram o programa. Tudo com o acompanhamento enxuto de cavaquinho, violão e percussão. Prêmio TIM Os sucessos estarão no show do Prêmio TIM de Música, com arranjos de Wagner Tiso e Rildo Hora e cantados por Lenine, Roberta Sá, Paulinho da Viola, Emílio Santiago, Zé Renato, Paulinho da Viola e Zélia Duncan, entre outros. Rildo ainda não sabe que músicas vai orquestrar. "Nunca soube de um samba dele ruim. Não tínhamos intimidade, mas fui criado em Madureira e tomamos muito trem junto", lembra Rildo Hora. "Meu samba preferido é Nega Dina, mas todos têm melodias riquíssimas que permitem harmonizações elaboradas." O coordenador do TIM, José Maurício Machline, diz que a homenagem é ao compositor que uniu o morro e o asfalto e promete que o público sairá da festa sabendo tudo que Zé Ketti fez de bom. "Além da biografia escrita por Nei Lopes, Um Sambista, sim Senhor, há muita foto e alguma imagem em movimento dele para fazer um belo show", adianta. Parte desse material está com Geisa, no apartamento do condomínio dos músicos, em Irajá, onde moraram Pixinguinha, Armando Marçal (autor de Agora É Cinza) e ainda vivem o neto e xará dele, Marçalzinho, e dona Ivone Lara. O sonho de Geisa é trazer para o Inhaúma uma lona cultural que levará o nome de Zé Ketti e abrigará seu acervo. "Aqui é um deserto, mora muita gente mas não tem um lugar para os artistas locais se apresentarem. Levamos a idéia à prefeitura e recebemos uma promessa. Vamos esperar." O que ela não quer mais esperar é o lançamento comercial do disco Zé da Madrugada, com 12 músicas inéditas cantadas por Marcelus Villaça, com levada e timbre que lembram Emílio Santiago. O repertório foge um pouco aos sambas porque Geisa queria mesmo mostrar que o pai tinha músicas de outros gêneros e os arranjos com cordas e metais podem até causar um estranhamento para quem prefere o tradicional violão de sete cordas, cavaquinho e percussão para as refinadas melodias de Zé Ketti. O que fica evidente no disco é que, embora tenha tido mais de 50 músicas gravadas e pelo menos umas dez que viraram clássicos, Zé Ketti era muito mais do que conhecemos. Uma mina de ouro ainda inesgotada.

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