Red Hot Chili Peppers chega à maturidade

Novo álbum, By the Way, é a versão para adultos da banda californiana, que ao longo de 20 anos de estrada aperfeiçou seu papel de porta-voz de uma geração

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Por Agencia Estado
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Chega na segunda-feira às lojas By the Way (Warner Music), o novo disco da banda californiana Red Hot Chili Peppers, uma das mais bem-sucedidas comercialmente do mundo, amada por skatistas e surfistas dos quatro recantos do planeta. O disco anterior a By the Way, intitulado Californication, lançado em julho de 1999, vendeu cerca de 13 milhões de cópias em todo o mundo (600 mil no Brasil). A vantagem é que não se trata apenas de um grande sucesso comercial, mas também um pop rock de boa qualidade. Som feito por um grupo que tem boa consciência política e social - mas que, ao mesmo tempo, não é uma legião de chatos militantes. Um dos dados inegáveis sobre os Peppers é que aperfeiçoaram seu papel como porta-vozes de uma geração tatuada. By the Way chega às lojas com a exigência de que todo o material dos CDs fosse feito de papel reciclado. No Brasil, a Warner informou que a fábrica de papel Suzano doou 3 toneladas de seu material reciclado para que a companhia imprimisse a tiragem inicial do disco, de 100 mil cópias. By the Way foi gravado em duas etapas. A primeira foi no Sunset Strip Studio de Los Angeles, no começo do ano. Em abril, eles migraram para um hotel em Hollywood, o Chateau Marmont (lugar onde o vocalista Anthony Kiedis morou em algum lugar no passado) e instalaram-se num quarto. Colocaram microfones no quarto e fizeram da sala um estúdio improvisado. O clima literalmente muito íntimo fez com que as coisas fluíssem também com mais naturalidade, contou Kiedis. "Eu chorei algumas vezes", disse. Apesar do lançamento, o Red Hot não tem planos de fazer turnês até o ano que vem, mas fará pocket shows pelo circuito universitário. "Estou requerendo alguns shows de guerrilha", disse o vocalista. "Queremos tocar para nossos fãs." Apesar de manterem-se longe das turnês, a superbanda teve um lançamento de disco à altura. A arte da capa do álbum é do cineasta Julian Schnabel (diretor de Basquiat e Before Night Falls). O single da música que dá título ao disco, By the Way, foi dirigido pela mesma equipe de Californication, Dayton & Ferris, e mostra Anthony Kiedis como um astro seqüestrado por um motorista de táxi. Visual - Quando o Red Hot Chili Peppers surgiu na cena roqueira, com seu visual tatuado, a pose e o estilo de garotos de rua disputando espaço nas calçadas para o skate e os shorts enroscados na metade do traseiro, o mundo era diferente. O grupo mudou um pouco nesses 20 anos e oito discos. Eles agora parecem mais dândis, passaram a assimilar vantagens vindas da grana e do prestígio. By the Way é um disco mais eclético, alegre e diversificado, embora professe certa fidelidade ao som p-funk dos primeiros anos e às experiências melódicas, coisa que eles tinham resolvido cobrir com grande carga de peso e sujeira. Alguns dos Peppers, como o baixista Flea, assumiram suas influências mais inconfessáveis, como o jazz de Louis Armstrong. Ele está soando quase como um baixista de power trio de jazz. Há ecos também de Beach Boys e Beatles no disco, mas em essência é o mesmo som de sempre. Os Chili Peppers começaram sua trajetória em Los Angeles. Kiedis e Flea (pulga, em inglês) estudaram juntos na Fairfax High School, na cidade, e se conheceram quando tinham só 15. Flea, na verdade, nasceu em Melbourne, na Austrália, e mudara-se para Los Angeles adolescente. Kiedis tinha deixado a casa da mãe em Michigan para morar com o pai, que era ator em Hollywood. Flea não se tornou baixista por vontade própria. Assumiu o instrumento por exigência do guitarrista Hillel Slovak, então líder da banda Another School (o outro integrante era o baterista Jack Irons). Antes disso, também tocou na banda de hardcore Fear. Em 1983, Slovak, Irons e Flea mudaram o nome do seu grupo para Red Hot Chili Peppers (referência a um termo usado pelo quinteto que Louis Armstrong teve nos anos 20). Estavam começando no circuito de clubes de Los Angeles, quando Flea reencontrou Kiedis. Estava completo o quarteto. Em seis meses, assinaram contrato com a EMI. A segunda parte dessa novela é feita de confusão e dependência química. O guitarrista John Frusciante, que veio depois e tornou-se parte do som decantado que passou a ser a grife Red Hot, enfiou-se na heroína e acabou sendo espirrado do grupo. Não foi só ele: Kiedis também passou por maus bocados. Mas Frusciante foi ao inferno, sobreviveu, voltou, foi aceito na confraria, o grupo foi reformado e subiu às nuvens. By the Way é mais um capítulo dessa história de assunção. Rock vibrante - Algumas canções sugerem um climão retrô, psicodélico, seventies, como Universally Speaking (que bem poderia estar no disco dos Strokes). Mas não é na bateria nem nos vocais que está o tempero mais original do Red Hot Chili Peppers, e sim no baixo de Michael "Flea" Balzary, um sistema de marcação que insufla o pop rock com uma circulação sangüínea que é do funk, da improvisação. Isso está mais que definido em Throw away Your Television, a canção mais RHCP do álbum, uma verdadeira jam session. O guitarrista John Frusciante é outro dado de diferenciação do som pop mais conhecido. Ele empunha riffs de um tempo perdido, uma mistura de Rob Krieger (do The Doors) com Robert Fripp, entre o virtuosismo e a dissonância. Californianos, eles conhecem bem a cultura hispânica que se mesclou à sua cultura urbana e praieira e a homenageiam com a esquisitérrima Cabrón. Ficou bem aculturada e hollywoodiana. Só falta entrar o Banderas sapateando para ficar tudo nos conformes. Produzido por Rick Rubin (o mesmo dos três discos anteriores), By the Way certamente vai ampliar ainda mais o fabuloso cartel de vitórias comerciais do Red Hot Chili Peppers. É mais melodioso e cerebral, mas não menos divertido que o disco anterior. Tem baladas inapeláveis, como Tear, cantada com abandono adolescente por Anthony Kiedis. O baterista Chad Smith dá as cartas na canção Zephyr Song, belo exemplar de surf song, embalada por um corinho do tipo Beach Boys. O tour de force do rap-o-metal do grupo comparece em Can´t Stop, uma espécie de Give it Away revisado e batido no liquidificador com vodca. Tudo tem um gosto de "já provei isso antes", mas é algo que não tira o sabor das músicas. I Could Die for You é prima-irmã da baladona Scar Tissue, um dos maiores sucessos do rádio nos últimos anos. A faixa-título, By the Way, tem um fraseado poderoso de baixo e um tom de rap de branco, um belo cartão de visitas. Universally Speaking é um tributo em homenagem à cidade natal do vocalista Kiedis, Detroit. Lemon Trees on Mercury é um ska engraçado, vibrante, irresistível, como se fosse uma mistura de Jovem Guarda com George Clinton. Lembra imediatamente o disco Freaky Styley, de 1984, que foi produzido por Clinton. Amadurecida, a banda sabe que envelhecer no mundo da música implica aprender algo. Que não se pode ter preconceito, que é um desafio legítimo fazer canções artesanais e assobiáveis, que os fãs também crescem e que Peter Pan não passa de uma história infantil. By the Way é o Red Hot versão para adultos. Dizer de antemão que isso é uma desvantagem é apenas um dogma.

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