"Quem não tem carteira não é músico"

Quem diz isso é o presidente da Ordem dos Músicos do Brasil, Wilson Sandoli, há 36 anos no cargo, fala sobre a greve de fome de quatro músicos contra sua longevidade no poder

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Por Agencia Estado
Atualização:

O presidente da Ordem dos Músicos do Brasil (OMB), Wilson Sandoli, está há 36 anos no cargo. Entrou em 1965, durante o governo militar, e nunca mais saiu. Diz que não foi posto lá pelos militares, mas uma declaração sua ao Jornal da Tarde, publicada em 15 de julho de 1967, mostra o contrário. "Estou na presidência desde a Revolução, vim como interventor e fui eleitor em 65", afirmou, na época. Sandoli usufrui do cargo por conta de uma lei anacrônica e é acusado de manter-se na posição por conta de artifícios ilegais. Ele desafia os detratores a provar. Em artigo no Estado de S. Paulo, em 20 de julho de 1967, ele escreveu: "Depois do Movimento de 31 de março, não há mais clima para demagogia e desorganização". Mas, pela primeira vez, Sandoli está enfrentando uma manifestação diferente contra sua longevidade no poder: uma greve de fome. Desde domingo, à meia-noite, quatro músicos esticam-se numa barraca na frente do Teatro Municipal em protesto contra ele, que ironiza: "Foram vistos comendo pizza outro dia." Agência Estado - O sr. não está sensibilizado com a greve de fome dos músicos? Wilson Sandoli - Pedi para verem a ficha deles. Alexandre de Almeida, o tecladista que passou mal, não paga a Ordem desde 2000. Os outros quatro não são músicos. Como não são músicos? Não tocam? Se não são inscritos, não podem ser músicos, não podem tocar. Isso é uma bobagem. Para mim, aquilo é coisa encomendada. Tem músico aqui querendo ir lá e bater neles, mas eu disse que não pode, que pega mal. Mas como o sr. pode dizer que só é músico quem tem carteirinha da ordem? Vila-Lobos não seria músico se não a tivesse? Isso é da lei. É a mesma coisa de médico, advogado. Mas são profissões diferentes. Tocar não significa risco para a saúde de ninguém. Até estou com você, mas não fui eu quem fez a lei. Os músicos em greve dizem que o sr. foi colocado no posto pela ditadura militar. Não fui colocado pela ditadura, fui eleito pelo voto dos músicos, em 1965. Não sei onde foram buscar isso. E para quê essa greve de fome? Acham que eu vou sair? Eu fui eleito, não fui posto aqui por ninguém. Eles também mostram uma circular da OMB que ameaça de prisão o músico que tocar sem carteirinha. Isso não existe. Nunca mandei cobrar ninguém pela Justiça. Como posso mandar prender? Se tiver isso, eu renuncio. Tem um músico erudito que não consegue fechar uma data para apresentação no BankBoston porque não tem autorização da ordem. Foi convidado, tem agente, mas não pode. Isso não é uma injustiça? Não pode. Nem no BankBoston nem em lugar nenhum. É a lei. Qual é lei? É a portaria 33/47 do Ministério do Trabalho, de 30 de setembro de 1986. Para o músico exercer a profissão, deve apresentar uma nota contratual, com o número de inscrição na ordem e quanto vai receber. E tem que ser carimbado na ordem. Falam tanta coisa da gente, mas nunca provam nada. Sabe por que me reelegem? Por que eu trabalho pelo músico. Se eu sair, tudo isso vai acabar.

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